terça-feira, 13 de abril de 2010

da soberba neblina (ou a finita mortalha de papel)



um homem que surge. senta-se e espera. fala sozinho. fuma prolongadamente todos aqueles gestos com a boca. não lê o livro que traz fechado nos braços. e ao falar sozinho só para si é como se não existisse. casualmente agita-se um pouco. parece nervoso. a inquietação é sempre invisível. move-se numa contracção instantânea, acústica. a espera é isso mesmo. na companhia do desassossego aguentar, persistir. e não existir. a originalidade do rosto, agora, para surdos e analfabetos. o olhar fixo, concentrado. pensa através de fumo. de cigarros múltiplos. uma mão sobre a cabeça. as mãos. as mesmas que apelam ao empregado de mesa. o pedido, pela primeira vez. que o empregado traz. as mesmas que concedem a fuga e a permanência entre um e outro. os poros, suor e tabaco. a mão segurando a chávena. as mãos. as mesmas com que, por fim, o homem paga o ócio em meia dúzia de moedas. gastas. sem esperança. de esperar. o empregado que as recolhe num esquisito tilintar. e depois nada. obrigado. as mãos de um levantadas no espaço de costas voltadas do outro. o homem inesperado. o empregado. perplexo o homem que deixou de esperar. desiste. não sabe porquê nem quando. torna a falar sozinho. palavras sumidas e desta vez, sem troco. não tem de quê. nem como.

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