segunda-feira, 13 de setembro de 2010

na verdade (ou o que tem de ser dito)


antes de qualquer outra a primeira coisa que lhe pediu foi. fica à vontade. como quiseres da maneira que te apetecer. ela recolheu a almofada e sobre o tapete encostou-se. ele acendeu umas velas e apagou todas as outras luzes. do corredor à sala. da cozinha até ao quarto. ela tinha acedido ao pedido dele e acostumada a estar ao seu gosto assim permaneceu. ao lusco-fusco. toda a silhueta dela reflectia as luas de recortes finíssimos que ambos reconheciam como plenas. já que aquela manifestação da natureza era para eles a expressão concretizada de silêncios cheios de afeição. da janela aberta tinham o mundo em vista. e com ela a visão do que com dedicação e bondade haviam erguido até ali. nesse instante. ela que até se esquecera do cigarro no cinzeiro e ele sem se aperceber que fizera o mesmo. com os corpos fixos num único movimento tocaram-se. com o impacto dos dedos. na força táctil das mãos. olha para dentro de mim. pediu-lhe. olha-me nos olhos. assim o fez. ela abriu-se de verdes tons e as suas pupilas ficaram maiores. respirou fundo e agarrou-lhe o rosto. ele tinha tanta emoção no lado inverso das pálpebras e quase chorou. não antes de qualquer outra a primeira coisa que ela lhe disse foi. são essas estrelas que trazes contigo que me fazem adormecer completa todos os dias. ele pestanejou. com ela ainda afirmando. e se é isto o que tanta gente procura aquilo que vejo é a sorte de nos termos já encontrado. e pestanejou ela de seguida lançando-se para o seu abraço. vencida de cansaço e convencida do seu a m o r.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

na cidade (ou a volta ao começo)



é este barulho. são estes sons. e mais os ruídos. diz-lhe. ela fica atenta. motores e fumo. são as nuvens. o ar abafado e cinzento. das sombras. diz-lhe. e se ela responde brasa ele afirma lume. e se ela pensa fogo ele reacende a chama. se ele escreve. isso ela já sabe. agora é à tua maneira. diz-lhe ele. a ela na cidade deles. é este o momento. são estas ruas. à espera de nenhum silêncio. com duas vozes para acrescentar. é esta a visão da beleza. cara a cara diz-lhe ele. no sentido m a r g i n a l.


fotografia (ou a imagem que vem do a.mar)



uma viagem azul. de ida e volta sob um mar de anémonas. o fundo na superfície da transparência. o mergulho circular da íris no lugar órfão do sol tardio da tarde. mais ela no pensamento que ele tem. que ele agita. em pequenas ondas que se vão formando. trazem-na na proa e na popa do barco. no cais e no porto. na tardia tarde do sol ao pôr-se. ele com ela junto aos pés por atacadores. a apertar cada passo. enlaçando cada direcção. a direito de sentir a saudade em carne e osso. no fundo da superfície transparente. sem nunca ser superficial. há um regresso. a terra misturada dos jardins suspensos. dos tons verdes consolados pelos lugares comuns. em que ela por magia é inegavelmente a outra parte a completar-lhe o próprio rosto.


quarta-feira, 1 de setembro de 2010

s e m p r e (ou a eternidade)



a folha que se despe. uns dias antecedidos. ele pensou. a carvão podem-se apagar em agonia lenta. por isso é que as escreve a tinta. de súbito. letras maiúsculas de letras minúsculas. dela. para ela. a lebre. a febre. com uma ideia atravessada. um som muito comprido. e o estalar dos dedos. bebe duas doses de café. vinte e poucos graus na rua. manhã como há muito não acontecia. pára. pensa um pouco mais. nisto um autocarro com meia dúzia de estranhos abranda no sinal vermelho. depois desaparece. ele retoma. a partir de um ponto. um outro ponto. de encontro de chegada. dois pontos: continua. a inspiração evidente dos seus olhos. parado frente a um vidro fosco. para vê-la. para lá de uma massa baça. que não é de nevoeiro mas do cigarro que fuma. a nicotina espalha-se e desvanece-se. ela não. pois que venha o que vier sem esperar o que quer que seja. a não ser ela. na primeira duração de sete dias e sete noites. se ela soubesse. se ele sonhasse. sem interromper o sonho que ele dorme depois dela adormecer. maravilhosamente doce. dócil. a falar baixinho o que a paixão quer dizer. a única razão de haver e existir. ele deixa de pensar. ela já dorme. e tem assim a consciente certeza que consistentemente insiste em guardar. dela junto a ela. para a abrir quando acordar.