sábado, 25 de agosto de 2012

a esperança (parte III)



levar a cabo um ideal. podia ser esta uma das definições de esperança. dos que crêem e dos que vão à missa e têm talismãs. dos que já não acreditam, mesmo sendo optimistas em relação a algo maior do que cada um, tendo ou não uma espiritualidade ou até dos que nunca chegarão a acreditar, por mero pessimismo, cansaço ou letargia. levar a cabo o sonho. nas fraquezas que todos temos, nos sinuosos caminhos da mente que nos pretendem enganar ao esquivar da verdade, e nas incertezas cheias de contradições que num ou outro momento são a essência a apontar-nos ao essencial. mas baralhadas as cartas, e volta tudo a dar à raiz, à génese com que emergimos. nada é o  mesmo e pouco é necessariamente igual aquilo que foi. porque ainda há a esperança. e é precisamente sobre ela, a esperança, que me devoto sobre ti. sobre o teu âmago numa linha muito marcada, de devoções aprendizes e medos denominados. sobre o teu ser mulher, desassossegada mas completa, reactiva e também indefesa, nobre e sã de bondade, e sobre ti volto a colocar a estaca no meu peito firmado de fundura e compassos de utopia que vão redesenhando dia a dia a paisagem extensa e benigna de um só. e sobre ela, as esperanças geminadas, o teu tacto rigoroso nas diligências da exactidão e do prevalecente. e sobre mim as melhorias dia a dia, numa aprendizagem indomável de que vale a pena ser esta coisa que tu dizes que sou. seja na troca fluida desse corpo no meu corpo, o teu cisne branco recém-nascido com as velas ainda coladas à pele em membrana de aguarela. seja na tua fonte contorcida de águas límpidas de tantos lagos de outros tantos mares. e eu, sem te apressar, recebendo-o no meu colo em chamas até ao raiar primeiro do primeiro olhar em aberto, rectilíneo, assim que se sente preparado para comigo ficar frente a frente. seja olhos nos olhos, seja cara a cara. a raridade faz o mundo, o amor faz a extravagância do cisne negro em singularidade. faz ronha com as promessas matinais, faz o sono sem bocejo. seja no estremecimento que nos acredita, seja no acreditar em nós, por emulação. porque a esperança, outra vez, advém da espera. e a espera também se faz em movimento. é uma quietude irrequieta e febril e também acontece em segredo. quando duas crianças brincam, inocentes e inesgotáveis. na esperança, de cada uma, a inocência é pura. a ignorância também. esta última, com menos sabedoria. porque a esperança é só o conhecimento proveniente de algumas solidões, do gato de oficina deitado na sua insónia numa obsessão destinada a ser a cura de todos os males. o gato que não dorme enquanto não souber que pode, enfim, descansar. as crianças brincam, o gato não se recolhe, é fiel com as suas garras afiadas rasgando o insuportável clamor da partida e o susto da vida eterna durante as suas sete vidas de um místico encanto. e, todavia, a necessidade de implosão de todos os seus órgãos vitais, isto, numa tentativa de não salvamento, mas de resgate de si mesmo. as crianças retomam a brincadeira durante noites assim, que duram muitas madrugadas. até que o gato esteja pronto e ao dar o salto, concretize a excelência do retorno com o pano de fundo de um poço que vem logo atrás. no teu gato, comigo tu és. nas crianças que adormecem, eu penso ao lado da eternidade. e a esperança enrola-se como nostalgia tão boa de saudade quanto uma camisola às riscas ou um andamento cor de laranja, azulão. e agora?  é já depois. o idílico. a galope de um céu, acima e abaixo, de ver para crer. de (e)levar.

sábado, 4 de agosto de 2012

a força e a insegurança (parte II)




esta história começa, longínqua e distante, num país chuvoso. numa geografia latente em cristalino e largos lagos de um azul a pender para noites de blues e dias mornos. quando ela aprendia, ainda, por linhas tortas a escrever a direito, legítima e esforçada no seu dever de missão perante um mundo de mulheres e de homens. haviam rodopios e avanços, recuos e territórios movediços. havia a visita do espelho e o espelho em vista. chegava a olhar-se exterior a si, como quem entra num espaço onde já esteve mas que por circunstância ou inclinação para o abismo entre si e a sua outra, era apenas o método de chegar mais dentro, beiral onde desmascarada e autêntica se (re)conhecia. e o tempo há muito que era uma partida desigual com relógios a fazer de tiquetaque. desde pequena que gostava de brincar à apanhada e às escondidas, e cedo soube jogar ambos com o conhecimento das regras, ao ataque e à defesa consoante a oposição. chegada a si, olhando-se e escavando até ao olhar mais fundo, aprendendo igualmente que num primeiro passo poderia estar o passo seguinte. fora sempre assim, sob o território seu que dominava e a zona de conforto que não partilhava com ninguém. mas um dia, o jogo da apanhada originou uma outra correria, um valsa mais lenta. e a brincadeira das escondidas surgiu-lhe seriamente com contornos de pele tocada e a exposição dum coração com sons de dança como parceiro ideal. muito antes disso acontecer, a rotina era o prelúdio de um soneto cantado a solo. e só depois disso acontecer é que se lhe afigurou a possibilidade remota de duas vozes num coro em voz de igualdade. foi num dia, em que bela e inteligente, se deixou recordar que também existia. e que as velhas cantilenas cor de rosa regressavam de tão longo período de alienação. esta história recomeça aqui, vestida de um casaco negro e calças compridas e azuis a pender para uma noite de tango e dias inflamáveis. quando reaprendeu, nesse dia, a ser mais próxima de si e ao invés de fazer e dar por tudo e por todos, retomar a dádiva para consigo. nem sempre é fácil. mas nada se resume só a difíceis dissoluções. tem momentos de uma sonolência abrupta e outros de uma frieza tonta. instantes de instintos rápidos e outros de uma brancura imaculada. em que por todos os melhores panos com a pior nódoa é capaz de segurar na concha genuína de se abrir e de guardar, a pedra preciosa que tanto lhe forjaram, muito antes disso acontecer, a encontrar. veja-se: agachada com as pernas cruzadas numa postura de atenção incondicional, escuta e ouve, questiona e argumenta, protege-se na vontade do sim ao desafiar o não em lutas constantes e imprevisíveis. que nada têm que ver com o feitio, que pouco a ver têm com defeito. Ela, já depois desse dia, aproximou-se dele. e quieta disse-lhe  caramba,  tu sabes realmente o que quero  e ele, como que os envolvendo num lençol macio de um arquétipo primaveril e dilatando os lábios em curva ascendente respondeu: sim. sem sair, nunca, de ti. esta história continua aqui. quando o certeiro é o correcto, quando o certo é não ter absolutamente nada de errado. felizes, sabem-se. nesta história que começa...