domingo, 20 de junho de 2010

toque (ou a sensibilidade na ponta dos dedos)



o nome começa a piscar. no visor uma tonalidade que vibra. um som que se rasga. um suspiro intenso. nenhum dos dois sabe exactamente o que dizer. ouvem as suas vozes diluindo pequenas afirmações. coisas que dizem o que é preciso. mal posso esperar. diz ela. para suprimimos esta nossa ausência. desabafa ele. riem os dois. como estás. pergunta-lhe ele. estou com falta de ti. responde-lhe ela. e durante alguns minutos vão trocando certezas do que os une. a ela esgota-se a força. a ele a resistência enfraquece. nenhum dos dois suportará mais do que necessário. em demasia em excesso. são água e fogo sob brasas. em combustão minuciosa e evidente. tocam-se sem medo. e mesmo no fim da chamada nenhum dos dois se questionará porquê. não têm duvidas. que a vingança será quente. ardente. exacto. o quê. o apego tem destas coisas. o colo onde um deita no outro a cabeça para poder enfim sorrir. de volta à vida. de felicidade. ou tudo o que ela tem de melhor.


sexta-feira, 18 de junho de 2010

penumbra (ou o ocaso latente)



as horas escurecem. e essa mulher está no limite. quase não come. pouco ou nada descansa. a paciência tem dessas coisas. é impaciente. e não dá espaço nem tempo para mais nada. por vezes dirige-se até ao parapeito. senta-se e acende um cigarro. enquanto as horas escurecem mais ainda. ela fuma à pressa. as suas mãos falam igualmente apressadas. essa mulher está presa consigo mesma. afligida e preocupada. grita. e cala-se de seguida. o que ela não sabe é quando aquilo irá acabar. e nem se recorda já quando é que aquilo começou. por muito que pense. quer apenas dar a angústia por terminada. para poder enfim suspirar de alívio. enquanto as horas escurecem por completo há numa casa distante um homem que aguarda. até que ela retome o seu brilho natural. livre e espontânea. para ele não existe senão uma sombra. a tocar-lhe ao de leve. desde o ombro até às costas. rise and shine. era assim que. mas. entre tanto. inevitável. a madrugada. de tão cerrada. rise. de tão negra. and shine. com os corpos encolhidos sobre todo o seu esqueleto.


quinta-feira, 17 de junho de 2010

com paixão (ou a desejada saudade)



tinha insónias. o homem que não dormia em noites de lua cheia. ficava escondido por detrás de uma janela a olhar para a rua já deserta. aquela hora tudo está coberto profundamente de uma cidade esquecida. apenas as insónias permanentes. e esse homem. sozinho. e mudo. desde criança. que em vez de falar decide escrever. porque não pode falar ele escreve. Por baixo das roupas que usa tem um corpo cansado. Para lá da calma que aparenta sente-se intranquilo por dentro. por dentro dos seus pequenos gestos vive a mesma ansiedade. que ela o venha buscar. que ela o venha ver nem que seja por breves instantes. porque qualquer momento breve com ela vale mais do tudo o que a boca guardou em silêncio. dispersa-se um bocado quando as lembranças escorrem pela caneta que tem presa ao coração. volta ao normal. fica exausto. dobra o pedaço de papel. e num gesto súbito levanta-se. veste um agasalho para não ter frio. desce as escadas. cá em baixo na berma da estrada pontapeia uma garrafa que se parte na margem oposta a si. há um vento que faz barulho. não importa. é no contorno das pálpebras que ele sabe que é através dela que tudo conhece sobre a ternura e sobre o afecto. tem insónias. mas torna a ser humano outra vez. o sono é o que levará até ela. e aí sim. ele dormirá.


segunda-feira, 7 de junho de 2010

acaso (ou consequência)



havia sempre aquele lugar. ela galgando passos como se corresse. ele abrandando o corpo à sua passagem e já quase parado. todos os dias era assim. ela na sua pressa habitual em que desaparecia. ele sujeito ao esvoaçar dos cabelos dela onde durante breves segundos não existia outro tempo nenhum. nunca antes lhe vira o rosto. os olhos a boca ou o sinal que ela tinha na testa. apenas lhe conhecia o cabelo voando ante si mesmo. sem que ela o soubesse ele gostava desse ritual. mas houve uma vez em que ela não apareceu. ele pensou se teria chegado atrasado ou se seria ela a ter-se demorado. por todos os motivos ou sem razão alguma. esperou contando pelos dedos a incógnita. e por um momento sentiu-se desesperado. como se nada batesse certo. nem ele a poderia procurar. nem ela saberia que ele a queria encontrar. passaram-se umas semanas sem que ele tivesse mais ido à aquele lugar. reinventou caminhos mas mesmo assim pensava nela. era na falta dos seus cabelos que sentia a falta dela também. talvez hajam na vida miragens irrepetíveis. sonhava alto. e todas as manhãs ele desejava voltar a pisar o chão onde ela costumava passar rápida mas admiravelmente. uma certa manhã ele seguia na ausência dela. cabisbaixo. adiante um alarido. então deu conta de um conjunto de pessoas fazendo uma agitada roda. aproximou-se. e viu-a caída. ela torcera o pé e perdera os sentidos. alguém contou. à ida ou à chegada ninguém sabia. como que esquecendo-se de tudo o resto ele aproximou-se um pouco mais. quando ficou perto o suficiente ela começou a abrir os olhos. reconheceu-o à primeira vista e não disse nada. ele levantou-a devagar. também sem palavras. porque é perante o lado bom das pequenas coisas que está a maior beleza que as tornam únicas. o destino é para quem acredita. assim. deram as mãos perante o espanto dos presentes. e partiram passo a passo.