quinta-feira, 17 de junho de 2010

com paixão (ou a desejada saudade)



tinha insónias. o homem que não dormia em noites de lua cheia. ficava escondido por detrás de uma janela a olhar para a rua já deserta. aquela hora tudo está coberto profundamente de uma cidade esquecida. apenas as insónias permanentes. e esse homem. sozinho. e mudo. desde criança. que em vez de falar decide escrever. porque não pode falar ele escreve. Por baixo das roupas que usa tem um corpo cansado. Para lá da calma que aparenta sente-se intranquilo por dentro. por dentro dos seus pequenos gestos vive a mesma ansiedade. que ela o venha buscar. que ela o venha ver nem que seja por breves instantes. porque qualquer momento breve com ela vale mais do tudo o que a boca guardou em silêncio. dispersa-se um bocado quando as lembranças escorrem pela caneta que tem presa ao coração. volta ao normal. fica exausto. dobra o pedaço de papel. e num gesto súbito levanta-se. veste um agasalho para não ter frio. desce as escadas. cá em baixo na berma da estrada pontapeia uma garrafa que se parte na margem oposta a si. há um vento que faz barulho. não importa. é no contorno das pálpebras que ele sabe que é através dela que tudo conhece sobre a ternura e sobre o afecto. tem insónias. mas torna a ser humano outra vez. o sono é o que levará até ela. e aí sim. ele dormirá.


1 comentário:

Anónimo disse...

Tá demais...! =)