Cada vez que falo contigo, ouço a minha voz depois da tua. E fico sempre com a
sensação de que sabes melhor aquilo que eu digo, do que aquilo que me tentas dizer:
há momentos em que me falta o fôlego. O ar e a respiração. E todos os dias eu recordo
aquela canção. Perguntas-me qual, e eu tenho de te responder novamente que é aquela
de que já te falei mas que nunca a ouvimos os dois juntos. Tu respondes-me que não te
lembras disso, enquanto que eu recordo a frase
pertenço-te
cantada no refrão várias vezes repetida. E tu continuas a não distinguir a letra da
música, porque, na verdade não podes, não percebes o que eu canto a seguir. No
entanto, e apesar de tudo, ouves-me com atenção
nessa noite, naquela que foi, nessa noite anterior em que ficámos acordados até tarde,
que te disse para olhares para mim
traz o teu corpo e os teus braços para dentro do meu peito
e tu, nessa noite que sei o quanto foi longa, paraste – suspensa nas palavras e olhaste.
Para lá. Tinhas os olhos cerrados na cor do teu olhar. E sei, porque parece ainda que foi
hoje essa noite, aquela em que te vi e ouvi
sei a visão dos teus olhos negros sobre a ideia de nos podermos tocar. E mais a
imaginação colada a essa ideia duma vontade escondida de nos tocarmos. Divago agora,
e na altura divaguei também, na tua imaginação
queria falar-te desta minha falta de fôlego que tenho com frases suaves numa linha
rápida e precisa
achas possível morrermos hoje aqui, de desejo?
queria falar-te de quando me escasseia o ar e se torna imprecisa a minha respiração. Mas
antes responde-me
achas possível o desejo matar-nos hoje e aqui?
esta noite - sim, claro. Tu sempre tão disponível para me aceitares – para ti tudo é
possível. Mas assim sendo, primeiro teria de recuperar da minha falta de fôlego e voltar
a respirar. Só assim dessa forma eu aceito. E sendo assim
houve um momento em que cheguei a pensar se não estava a ser demasiado directo
contigo. Como se a minha voz acelerada se atingisse os duzentos e dez quilómetros por
palavra. Cheguei a pensar – descontrolei-me. Talvez tivesse que abrandar. Questionei-te
queres?
e tu respondeste-me que
estou bem assim
e eu, perante ti, não pensei mais nem em mais nada. Pé no acelerador, a fundo, e o
tempo a chocar no vidro. Na minha cabeça, ouvir-te dizer que estavas bem, e a ver-te
feliz, e sem mais nenhum pensamento de nada, mas
subitamente
senti uma espiral a rondar a minha cabeça. Não fosse o pensamento, o instinto desse
instante diria que era uma das tuas canções intermináveis ou
tu, que sempre foste muito ligada a essas coisas, das melodias certeiras e repletas de
significado. Não sei. Acho que nunca entendi o que aconteceu – a trezentos e tantos
quilómetros de velocidade na minha voz acelerada
fiquei tonta de repente mas permaneci consciente. Não te disse nada, mas foi porque não
te quis preocupar. Estava a ter outra crise. Faltou-me o fôlego e se bem me conheces
preciso de tempo nessas situações para voltar ao normal. Regressar ao ar e à respiração.
Ouvi-te a falares para mim, para eu ter calma e respirar devagar e pausadamente. E
demorou uns segundos – quase um minuto meu amor – até ter a noção de que todo o teu
rosto estava triste
porquê esse sinal de tristeza?
foi a única coisa que me lembro de te dizer – para além de te ter chamado pela primeira
vez de
meu amor o que aconteceu?
estranhamente impávido e nervoso abracei-me de encontro a ti. Fi-lo discretamente para
que não te desses conta do quanto estava agitado. O meu corpo não se mexeu durante
quase um minuto, meu amor, nem a minha boca foi capaz de dizer que poderíamos ter
abrandado um pouco. Apenas eu e tu num abraço de desassossego e preocupação
misturados com um choro baixinho
e as tuas lágrimas vivas e imprevistas a escorrerem-te pela face. Apenas a minha
imobilidade numa mão sobre o teu peito inútil a não querer respirar enquanto não
recuperavas o teu precioso fôlego. Somente o olhar. Olhei-te
gosto de ver o brilho que há em ti
marcaste o movimento dos meus olhos com os teus. Paraste – suspensa nas palavras.
Olhaste para mim e disseste que gostas de me ouvir quando falo para ti. Quando tudo
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