- A que temperatura te ferve a solidão?
os fracassos nunca se esquecem.
que sabemos nós do Amor?
que sabe o amor de nós?
que sabe o rio da sua foz
ou o oceano, que conhece do mar?
de que vida se faz um amor se de morte é feita todo o
amar?
- conversámos de todas as vezes em que ficávamos juntos -
eram cigarros no cinzeiro e no chão das ruas
cinza queimada que caía,
e como eu te esperava na tua demora
eram olhares
na memória do passado já circunscrito
entre o primeiro encontro
e no que demais já foi dito
- sempre pouco -
eis o Amor
corte de x-acto
exacto e preciso sobre um pedaço de papel
que és tu
- poema -
rasgo sem fim
desajeitado numa gota de sangue que se forma,
mão livre
exposta
mão aberta não pela ferida
mas na prova de uma prosa intacta
- eis o amor -
um bloco frente e verso reciclado
uma pele preto no branco
manto nú ou será encanto?
talvez grito com toda a certeza
” não te vás embora ;
eu ponho duas velas em cima da mesa…”
talvez ansiedade, voz amena
”ficas?”
- no perfume duma vírgula -
não ter medo
não temer;
reforçar a continuidade de não deixar de
arder
- ponto de exclamação -
é inverno dentro do coração
como uma chuva
intensa e miúda;
paro à janela
acende-se um cigarro e penso em ti
- finitamente -
prisioneiro de ti
palavras e pulmões
preso
no labirinto que a alma tece
e a consciência não esquece.
Ciclo que se repete
- dias assim
a normalidade em mim
longe tão longe de ti ou de mim -
” aparece aqui “
nos cantos desta loucura requintada
nesta revolução compacta
mar atlântico, recanto
corrente contrária ao vento
que não é tristeza nem alento
- é um momento -
um instante só
“ aparece “
um segundo neste mundo
de livros agarrados à estante e unidos ao pó -
tempestade activa
permissiva e demorada
- como eu que te desesperava -
e tu que chegavas sempre vinda de outro lugar
à margem do acaso
à beira do idealizar
- “ mas não te iludas. És real “ -
ainda que agora não possas.
agora não dá.
não é possível
( está mais que visto )
insisto
enquanto assisto à mudança de temperatura
desde a sala de estar
até ao exterior
” anda “
agora não (quero )
ainda que um dia quem sabe
- agora não podes -
agora não dizes
o que realmente te incomoda ou torna a incomodar
guardas a sete chaves
a minha inquietação romântica.
de fantasia preferes nem falar
calas-te afastas-te
- que mais há para perder contigo -
no silêncio vitorioso.
silêncio. em repouso silenciado
- essencial -
aroma açucarado
salgado
às vezes odor
despida diante de mim
- transparente -
como uma fonte
com água e calor
às vezes quente
- sabor a sol -
durante um céu de cor
azul sem ser esse azul que toda a gente pensa ver
- firmamento -
depois de acordar
a manhã e o dia
as vozes e gestos que eleges para ontem,
hoje?
nada.
depois de acordar
só o desejo de adormecer perpétuo
- novamente -
o céu.
a maior imagem que se segue a ti.
azul azul
mas porque não um violeta nanquim?
- o coração uma pétala de malmequer -
( mostra-me quem és )
- o abandono -
foi uma simples viagem de autocarro.
eu sentado a teu lado
calados mas juntos.
largo do rato ao final da tarde
a avenida Álvares Cabral numa linha ascendente,
o jardim da estrela outrora verdejante
e a basílica com o mesmo nome.
- chegámos -
( eu mesmo te levei
não sabias como lá chegar )
- chegámos –
guardei o bilhete que utilizámos
marca eterna
e conduzi-te até ao altar de mármore onde a existência se
acabava.
Passava das sete horas quando partiste.
vi-te caminhar acompanhada
e eu sozinho.
- na paragem do desalento / outro autocarro
mas desta vez fui sozinho.
(abandonado num dos bancos individuais que sobravam )
e tu a ir
” para onde vais? “
no dia seguinte uma mera possibilidade
jogar à sorte o suor da vida
e ter-te por fim no meu cansaço (…)
- vês o quê? Sentes? -
quando te pedir para abrires os olhos e respirares a minha
imagem.
o meu rosto, segue-o.
e que te falte o que resta da aragem enquanto me observas
(quase que te quero a desfalecer )
ficarei quieto,
até que te doam nos olhos a dor de não me poderes ver;
estou parado e assim me alongo inerte
- reconheces-me
ou nem sequer me sentes? -
após tantos poemas entoados em verso
no inúmero do avesso
a alma
poço e poesia guardada para o futuro,
o corpo (in)seguro
elevado para lá dum muro prematuro
ruína precoce
- finalmente -
o som da verdade é teu
num eco de alegria.
” estás a ouvir-me? “
eu que controlo este movimento sonoro
de horizonte
pego num lápis
e desenho devagar a palavra atenta.
não pretendo o esvoaçar do tempo
nestas linhas de hora lenta.
não vens não estás
onde no carvão a alma jaz;
(morre em paz o tormento
o uso material do lápis sem ideal)
” ouves-me? “
- a gaivota despede-se do fio do sonho -
e as marcas dum beijo que nunca se deu
ficam;
boca que morde a lembrança e a nostalgia
num coração demasiado submerso dentro do peito;
- cenário romântico
naufrágio mergulho semântico
ondas revolta
sereias afogadas num género de cântico -
trovador e sua senhora (…)
marés adversas
porque há sempre um suspiro não correspondido
- desencontro -
confuso o barulho que não ouço
ao admirar-te de mãos nos bolsos
vestida de arte e fado nocturno
para lá da multidão – encontro-te -
através dum rumor que me alerta para a realidade;
há certos amores que rimam com fatalidade.
- e não será esse o nosso caso? -
com que gesto de que abraço?
com que sede de que vontade seca?
com que sabedoria ausente da mediocridade?
- alguma amargura em mágoa -
que não prevalece porque estendes as mãos
e nelas seguras o ar.
oxigénio a dominar-te os pulsos
o frio em excesso nas tuas veias
agora fecha-as
e olha-me nos olhos
- percebeste? -
que basta accionar o desgosto para tremer de qualquer maneira;
branco tipo cal, gelo em vez de sal
afinal
- percebeste? esta emoção de Antártida na tua boca
( para que te serve )
Nunca me soubeste dizer.
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