quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Termómetro

(in Concurso literário Lisboa à Letra - premiado com o 3º lugar em Poesia na respectiva edição)



- A que temperatura te ferve a solidão?

os fracassos nunca se esquecem.

que sabemos nós do Amor?

que sabe o amor de nós?

que sabe o rio da sua foz

ou o oceano, que conhece do mar?

de que vida se faz um amor se de morte é feita todo o

amar?

- conversámos de todas as vezes em que ficávamos juntos -


eram cigarros no cinzeiro e no chão das ruas

cinza queimada que caía,

e como eu te esperava na tua demora

eram olhares


na memória do passado já circunscrito

entre o primeiro encontro

e no que demais já foi dito

- sempre pouco -

eis o Amor

corte de x-acto

exacto e preciso sobre um pedaço de papel

que és tu

- poema -

rasgo sem fim

desajeitado numa gota de sangue que se forma,

mão livre

exposta

mão aberta não pela ferida

mas na prova de uma prosa intacta

- eis o amor -

um bloco frente e verso reciclado

uma pele preto no branco

manto nú ou será encanto?

talvez grito com toda a certeza

” não te vás embora ;

eu ponho duas velas em cima da mesa…”

talvez ansiedade, voz amena

”ficas?”

- no perfume duma vírgula -

não ter medo

não temer;

reforçar a continuidade de não deixar de

arder

- ponto de exclamação -

é inverno dentro do coração

como uma chuva

intensa e miúda;

paro à janela

acende-se um cigarro e penso em ti

- finitamente -

prisioneiro de ti
palavras e pulmões

preso

no labirinto que a alma tece

e a consciência não esquece.

Ciclo que se repete

- dias assim

a normalidade em mim

longe tão longe de ti ou de mim -

” aparece aqui “

nos cantos desta loucura requintada

nesta revolução compacta

mar atlântico, recanto

corrente contrária ao vento

que não é tristeza nem alento

- é um momento -

um instante só

“ aparece “

um segundo neste mundo

de livros agarrados à estante e unidos ao pó -

tempestade activa

permissiva e demorada

- como eu que te desesperava -

e tu que chegavas sempre vinda de outro lugar

à margem do acaso

à beira do idealizar

- “ mas não te iludas. És real “ -

ainda que agora não possas.

agora não dá.

não é possível

( está mais que visto )

insisto

enquanto assisto à mudança de temperatura

desde a sala de estar

até ao exterior

” anda “

agora não (quero )

ainda que um dia quem sabe

- agora não podes -

agora não dizes

o que realmente te incomoda ou torna a incomodar

guardas a sete chaves

a minha inquietação romântica.

de fantasia preferes nem falar

calas-te afastas-te

- que mais há para perder contigo -

no silêncio vitorioso.

silêncio. em repouso silenciado

- essencial -

aroma açucarado

salgado

às vezes odor

despida diante de mim

- transparente -

como uma fonte

com água e calor

às vezes quente

- sabor a sol -

durante um céu de cor

azul sem ser esse azul que toda a gente pensa ver

- firmamento -

depois de acordar

a manhã e o dia

as vozes e gestos que eleges para ontem,

hoje?

nada.

depois de acordar

só o desejo de adormecer perpétuo

- novamente -

o céu.

a maior imagem que se segue a ti.

azul azul

mas porque não um violeta nanquim?

- o coração uma pétala de malmequer -

( mostra-me quem és )

- o abandono -

foi uma simples viagem de autocarro.

eu sentado a teu lado

calados mas juntos.

largo do rato ao final da tarde

a avenida Álvares Cabral numa linha ascendente,

o jardim da estrela outrora verdejante

e a basílica com o mesmo nome.

- chegámos -

( eu mesmo te levei

não sabias como lá chegar )

- chegámos –

guardei o bilhete que utilizámos

marca eterna

e conduzi-te até ao altar de mármore onde a existência se

acabava.

Passava das sete horas quando partiste.

vi-te caminhar acompanhada

e eu sozinho.


- na paragem do desalento / outro autocarro

mas desta vez fui sozinho.

(abandonado num dos bancos individuais que sobravam )

e tu a ir

” para onde vais? “

no dia seguinte uma mera possibilidade

jogar à sorte o suor da vida

e ter-te por fim no meu cansaço (…)

- vês o quê? Sentes? -

quando te pedir para abrires os olhos e respirares a minha

imagem.

o meu rosto, segue-o.

e que te falte o que resta da aragem enquanto me observas

(quase que te quero a desfalecer )

ficarei quieto,

até que te doam nos olhos a dor de não me poderes ver;

estou parado e assim me alongo inerte

- reconheces-me

ou nem sequer me sentes? -

após tantos poemas entoados em verso

no inúmero do avesso

a alma

poço e poesia guardada para o futuro,

o corpo (in)seguro

elevado para lá dum muro prematuro

ruína precoce

- finalmente -

o som da verdade é teu

num eco de alegria.

” estás a ouvir-me? “

eu que controlo este movimento sonoro

de horizonte

pego num lápis

e desenho devagar a palavra atenta.

não pretendo o esvoaçar do tempo

nestas linhas de hora lenta.

não vens não estás

onde no carvão a alma jaz;

(morre em paz o tormento

o uso material do lápis sem ideal)

” ouves-me? “

- a gaivota despede-se do fio do sonho -

e as marcas dum beijo que nunca se deu

ficam;

boca que morde a lembrança e a nostalgia

num coração demasiado submerso dentro do peito;

- cenário romântico

naufrágio mergulho semântico

ondas revolta

sereias afogadas num género de cântico -

trovador e sua senhora (…)

marés adversas

porque há sempre um suspiro não correspondido

- desencontro -

confuso o barulho que não ouço

ao admirar-te de mãos nos bolsos

vestida de arte e fado nocturno

para lá da multidão – encontro-te -

através dum rumor que me alerta para a realidade;

há certos amores que rimam com fatalidade.

- e não será esse o nosso caso? -

com que gesto de que abraço?

com que sede de que vontade seca?

com que sabedoria ausente da mediocridade?

- alguma amargura em mágoa -

que não prevalece porque estendes as mãos

e nelas seguras o ar.

oxigénio a dominar-te os pulsos

o frio em excesso nas tuas veias

agora fecha-as

e olha-me nos olhos

- percebeste? -

que basta accionar o desgosto para tremer de qualquer maneira;

branco tipo cal, gelo em vez de sal


afinal

- percebeste? esta emoção de Antártida na tua boca

( para que te serve )



Nunca me soubeste dizer.

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