quinta-feira, 19 de novembro de 2009

De Rerum Natura




Onze horas. Minutos outros tantos, dobrados. Dobrando as suas ramificações pelos espaços amplos da sua corrida triunfal. O tempo
passa, corre – é um puro lusitano desafiando a pátria nos seus cabelos, na crina ocre de uma patada seca. Já depois
dos sinos e dos arcanjos prematuros e dos nomes bíblicos, as horas derretem-se de dentro da cabeça e no íntimo do que é dito e é escrito. À tangente da pronúncia da gravidade. De certo,
agudos mudos toldam lábios que tocam flautas ou dedos esguios embatendo nos tambores. Uma tríade sinfonia triste. De tão longe, só por isso. Triste.
Ode ao verbo
um elogio à conjugação: melodia e drama. Melodrama, emoção
tanta
tanto muito pouco, tudo ou nada. Por além horizonte, lava-se a terra com o que cai de aquém. E desaparece
como que salpica, faz poça nas margens dos pés que marcam a molhada e húmida finitude das viagens infindas. Porque
infinito é o sopro, o solfejo ameno do cavalo e da sombra. Em liberdade
ambíguos. A galope, vagarosamente.
De fugaz a firme traço apenas giz transparente e lúcido nos limites dos seus olhos, nas fronteiras da sua exacerbada dilatação. De tão longe, só por isso.
Uma distância a mais
a trote, célere mas contido. Levando tons de verde castanho,
campos cheios de alma e espíritos que dançam. Há
ciclos que se repetem, porque são redondos círculos de um risco
angular e físico. Bolhas de ar, uma vez mais. São formas conforme o jeito
conforme a música ou o feitio. E voam
como quem se afasta, brilhantes nas asas e no sentido.
Sentir
sinto muito. Tudo
muito pouco, ou nada. Tanto, até uma oitava. Exógena. E breve.
prolongando aquilo que se transforma – matéria e substância – aquilo que se amarelece em outras cores: a paz posterior à revolta. Tão translúcida, agora
a visão fulgurante do potro pequenino que segue os passos adiante. Bem de perto,
desde sempre.
Por nunca aprender
a perder simplesmente o rasto, ele – inclinando o dorso
ou eu rasgando o céu a conta gotas. Na medida, aqui, da casa.

Meio-dia. Sob a madeira da porta, uma aresta desafiando a rigidez do corpo, a resistência e a densidade de um cerrado punho quase perdido
ecoando de vez em quando ao empalidecer certos dias, assim
o que é feito desse sonho equestre, ou que sombras são aquelas que correm como cavalos desafiantes no fundo de nós mesmos desses mesmos de nós
no fundo do mar?
- não sei dizer todas as coisas. Nem mais nem menos. Ouço
apenas os suspiros sazonais dessa mão fechada. Hermética. E
o mais que provável é ao entardecer apagarem-se as luzes da cidade. E suspirar
como quem recebe o sono diante do pão e do vinho. Ante a insónia rodeada de humildes
fantasmas que só chegam e depois partem,
quando estiver consumado. Até consumido enquanto
se rasgam retratos à lareira: o ritual tem de ser cumprido. Primeiro
a dádiva segundo Baco.
Porque é o que fazes sempre que ela não está. E ainda
te lembras de como era grande a felicidade até se tornar insignificante
adoeceu no tempo e entranhou-se numa qualquer parede
desapareceu numa manhã nebulosa e ficou essa casa testemunhando a sua falta. Ao
princípio estranhando o sossego dos jardins e o coro de vozes incessantes. O pensamento era
assim, uma arma involuntária pousada sobre a mesa. O jantar servido a frio e uma candeia gasta ao fundo do corredor. O que se passa
é o que se está a passar – dizia-lhe repetidamente. Mas do que se passou
nunca ninguém ouviu falar. E esse não dito foi escrito por linhas tortas no seu direito.
Sentenças e restos
que passaram de símbolos carregados de tanto, muito pouco, tudo ou nada
a monólogos secretos prestes a serem revelados para a sua dimensão resoluta: vinte e uma gramas levando o peso da vida. Uma promessa:
restam restos do que restou. Molduras pertencendo à cal e cartas dividindo o passado em dois ou mais fragmentos, na previsão de um futuro seco. Rasante, no âmago.
Objectos em desuso, vazio. Precedendo já a cerimónia do seu afastamento: é o quanto demora aonde nunca esteve. Mesmo recuando uns passos atrás
para me colocar a tempo, é o que falta para chegar onde nunca esteve.

Treze horas. De mãos apertadas o recomeço. Em dias de um frio como este, gelando inapelável mente. Ao ponto de onde nunca estive, ou pelo menos até
onde nunca antes foi possível estar. Mas que lugares são estes
que reclamam e clamam com a voz num tom ordeiro e ao mesmo tempo credo e chamamento? Na garganta
que vai engolindo provérbios e as ideias
na sua origem e consequente deformação. Quando, assim, já ninguém puder ouvir. Assim
perdendo a boca sem anestesia, a frio, num dia gélido e excessivo. Sobrando as demais verdades uma única vez depois da última gota evaporando-se no copo
o cheiro confundido de orvalho do ânimo e do alento carregando espelhos à superfície
a frio como já alguém o dissera, do alto da celebração. Assim
até ao derradeiro espasmo após o Amor
elementar: o prazer. E o elemento em visita, a dor. A inexistência da dor é o pleno prazer – dizia ela
houvesse ou não haja sequer a compensação e o êxtase.
- não sei dizer tudo o quanto poderia ter acontecido. Nem mais nem de menos
são janelas encerradas a este pensamento de Inverno, que ficou
a preto e branco desde os dias a frio que ameaçavam tempestades mas em que
acabava dolorosamente por não chover.

O tempo continua na lombada da sua incursão, por cavalos de sombra. ‘cause
first we feel
then we fall.