terça-feira, 31 de julho de 2012

O passado (parte I)




da última vez que penteou os seus longos cabelos, caíram-lhe umas lágrimas que tinham choro. um choro solitário, simples. entrara na fase da vida em que a imagem de si valia muito mais do que aquilo que pudesse dizer. «se me perguntarem porque o fiz, respondo apenas que me apeteceu». recorda-se, como se tivesse sido hoje, do modo como as tiras espessas e ágeis levitavam até ao chão, fazendo um pequeno monte de vendavais vários, de um rolo de filme visto repetidamente. e se por um lado havia a possibilidade de se contrair por dentro pelo que lhe causava, existia-lhe na face uma sobriedade em formas de indicador sóbrio muito menos devastador do que seria de supor. naqueles minutos os olhos ricochetearam um antes vivido e em luto, da mesma cor que lhe apetecera arrancar. sentada, permaneceu imóvel à medida que encurtavam as distâncias de um nó desfeito à tesoura. com um movimento rápido e severo, as manchas escuras contrastavam com um brilho que ao invés de nascer à pressa, teve tempo em pensamento e em sobras e demorou toda uma estação para se mostrar. foi num sorriso rasgado que juntou todos os fios nascente e, com eles foi porque lhe apeteceu. nos meses seguintes era, então, a mesma cara num outro rosto. rio em janeiro, mar de fevereiro, águas de março e afins. [sob um recorte desaguado e estival]