O coração muda a cada hora que passa. A aorta bombeia o sangue que nos une e nos junta. As águas separam-se e a respiração diminui-se. Todo o tempo que amamos alguém é um amor demasiado velho. Dias, meses ou anos. Pode durar apenas um segundo e com um pouco mais, um minuto numa hora. E o coração muda ciclicamente.
Quem és? Quem sou?
Em que nos tornamos?
Às vezes há tudo. Noutras não acontece nada. Não há nada, senão uma voz. Um conjunto de palavras memorizadas. Uma nostalgia que deciframos no sentido do movimento e do toque. Tristes caracteres que entristecem o mundo, contornando a vida nos seus momentos de lucidez
acostando o coração ao invés do conforto e da evidência. Aumenta o ritmo cardíaco. Faz-se uma certa constância na cinestesia essencial
junto ao tórax um aperto leve, e desapertado.
Um, dois, corpos lado a lado. No horizonte. Tombados como duas formas de água.
O silêncio diz-se. Ouve-se. Escuta-se e é audível. E no ar
paira uma turbulência de uma bonança intacta e guardada pacificamente com todo o desassossego impossível.
Sou-te. Tu és-me. Somos
gotas. Um ciclo de círculo, embalado pela marés que dantes se bebiam nas tardes quentes e nas noites em que um de nós partia antes do outro.
E amorfamente, por vezes descansa imóvel à beira dum estado líquido em que nos finge do seu abandono. O coração
bate, palpita. Na inevitabilidade da vida.
quinta-feira, 20 de setembro de 2007
Cinestesia
terça-feira, 11 de setembro de 2007
Cera
domingo, 9 de setembro de 2007
Mercúrio
As palavras ardiam na folha.
Uma a uma, colidiam com a ponta dos dedos
e desfaziam-se entre si numa mancha de fogo.
O sentir queimava-se nas margens.
do riso, lume.
do olhar, labareda.
do silêncio, chamas.
As palavras consumiam a tinta.
a noite intocável era uma cortina clara,
amarela e vermelha e de contornos acesos.
O poema debatia-se como podia.
à vez.
O silêncio, e o riso dos olhos
a palavra quente e um brilho de cinza.
ou
o cheiro seco da pólvora.
As palavras ardiam na folha
por dentro,
e em segundos que o tempo não contou
uma vida inteira se extinguiu por entre
rios e marés
que lentamente arrastavam pequenos pedaços brancos,
de cartas que nunca foram lidas
e poemas que nunca foram escritos.
quinta-feira, 6 de setembro de 2007
Verba volant, scripta manent
E saía sempre de casa a uma velocidade impossível de ele a acompanhar. Antes ficava, impávido no sofá que compararam os dois quando se mudaram para aquela casa, de cigarro na mão e de olhos vazios. O estrondo da porta era o mesmo desde que se tornaram dois desconhecidos debaixo do mesmo tecto.
Quando se conheceram, eram os mais apaixonados do mundo. Traçavam sonhos e projectos de futuro, com tal força, que dir-se-ia que não se haveriam nunca de deixar de ser um e outro. Tinham gravado no rosto as mesmas palavras e nos gestos os mesmos movimentos impulsionados a dois. Eram um, apenas. E os dias, para eles, eram de uma cadência só ao alcance dos que se permitem sonhar.
Foi sentar-se então, no sofá que compraram os dois quando se mudaram para aquele apartamento. Exausta, deixou-se ficar.
à medida que a luz do faróis do outro veículo se desfizeram sobre a sua fragilidade. Fatal.
Assim que a ambulância chegou, deu por encontradas duas vítimas num acidente de viação. Trataram da papelada inerente aos factos, deixando para trás os destroços de duas vidas. O azul intermitente.
Fui esquecer-me de tudo o que foi feito e foi dito. Fui para me recordar que podemos voltar a ser o que éramos. Se entretanto chegares, espera por mim.
terça-feira, 4 de setembro de 2007
Radiografia
Pedra.
Uns mais que outros.
Ninguém como alguém.
Somos um mundo secreto por descobrir.
Para nos fazer entender, mais do que todos os mistérios.
A última palavra
horizonte.
Fazer-se ver e ouvir, lendo, cada linha como um caminho que nos leva dum mundo para outro, sem nos dar-mos conta de estar a pairar numa compreensão mais exacta e primordial da sobrevivência e do sentido de Humanidade. Como seres nómadas com um coração submerso no peito.
Pensamento I
Em vésperas do fim do Verão - época em que durante pouco mais de uma semana, me desintegrei da metrópole e dos seus síndromes populares, conjuntos do dia-a-dia - apresso-me devagar e de forma tranquila quanto possível, a expôr-me ao sol e à inércia dum mar azul e calmo a rebentar de nostalgia na areia de pegadas efémeras e húmidas.
Será este um conceito viável para dizer-se Liberdade?
De facto, longe da agitação humana e dos relógios contra o tempo, tenho encontrado um espaço à paz e serenidade; energias que renovo por estes dias de sossego.
As manhãs levantam-se quando um primeiro timbre de luz me invade pela janela a dentro. É o meu despertar mais puro.
As tardes dissipam-se entre banhos a meio termómetro e olhos solitários que correm na direcção dos barcos, percadores vagarosos e lentas silhuetas a esaparecer no fundo das correntes.
De noite, o corpo embrulhado em sal. Sentado num qualquer lugar não muito longe. contemplando a finitude das coisas - certos momentos - e as variações lunares que ocorrem nesta altura do ano. O brilho do céu deslavado e semi-nu à visão terrena. Um café, pequenos fragmentos e silêncios. O pensar denso - nem sempre - e, ponto.
Certos ciclos terminam quando existe outro no seu começo. E no final deste - ainda presente - fecho as pupilas no exterior, e aqueço de imagens e sensações o espírito indomável da viagem. Sítios, presenças e vazios em alguns casos sublimes e insubstituíveis.
Respiro.
Por fim. À sombra, repouso longamente e despreocupado. Ocupado por ideias que do chão, são meros castelos à mercê do vento.