sábado, 12 de janeiro de 2008

In Memoriam


Para ti, amigo
de luto, luto eu também.




Agride-me na lápide da minha consciência a não razão:

Decidiste partir antes do tempo. E deixas-me contigo num rasto de vida prematuramente interrompida.

Como dizer-te todas estas coisas que trago presas no silêncio da voz? Como te posso falar sem que me ouças na tua compreensão adulta e fraterna?

Sinto que estou errado, em tempo espaço e lugar. Em combate num embate de contradições. Não há forma que não seja a tua pessoa. Nem sequer na certeza da qual me perdi, sem saber-te na previsão de uma hora ou de um outro dia.

Queria que me arrastassem até junto a ti, novamente, para que nascendo nos teus braços pudesse dizer que foste o melhor Pai que podia ter tido.

E se em algum momento não o soube, Desculpa.

Queria adormecer sob o teu coração na ternura e na junção de te ter comigo, de novo, sabendo que sou o teu filho, que me reconheces em todos os meus gestos e feições e que fui o filho que sempre quiseste como o melhor Pai que alguma vez pude ter.

Fere-me a tua impossibilidade. O teu rosto a ficar cada vez mais magro em tempo seguido. A fragilidade dos teus abraços que ainda senti na força imposta dos meus.

Porque me magoa tanto a doença

- A cama e os lençóis brancos, os horários a que não regressarei nunca mais. Porque não quero refazer os meus passos nesse sentido do fracasso. Seja rever-te debilitado ou de ter que não te ouvir dizer uma única palavra. O estado amorfo dos teus olhos, agora sempre tão tristes e as doses químicas a que te sujeitavas – nunca mais - ao menos por uma expressão de paternidade. Não quero redescobrir esse cheiro de pele queimada pela cinza que foi o meu sopro, no teu fim.

Quero que aceites a minha gratidão. A sinceridade o mais possível de olhos nos olhos te dizer que fomos uma vitória. Um e outro. O jeito de sermos dois corpos para a mesma alma. Duas existências consagradas a ocuparem a mesma identidade.

Embora uma mão me aperte o nó da garganta, Pai, não me esqueço cada conversa que tínhamos, soltas as aves no seu primeiro voo. E de todas as aprendizagens que me ensinaste, a mais difícil é porque não me despeço de ti. Nem hoje nem jamais.

Apesar da solidão, Pai, não sei recordar-te que não seja desde a primeira respiração até à última imagem: a tua presença. O facto de contar contigo para cair e levantar-me ao darmos as mãos. O chorar e o rir sem importância. Mais: o tanto que a morte de um pouco tanto de mim abdica na tua ausência.

Porque se me deixas desta maneira é sem volta. Tu não regressarás nem eu irei pelo mesmo caminho.

Quero ser forte mas como o faço, Pai?

Pudesse eu sentar-me a teu lado, neste instante já. Escutar com atenção o que guardas para os últimos segundos. Eu que nada consigo ter nem dar, por agora.

Desculpa.

Manhã de noite. Madrugada ofuscantemente clara. Quase que me cega a tua falta que não te posso demonstrar. Pudesse frente a frente pedir-te para ficares durante mais alguns anos. Tantos os que imagino em diante e tos queria oferecer de testamento. Porque o que receber de futuro será - com o devido respeito - o resultado da tua estadia na minha caminhada. O guia desta viagem que desconheço mas que se assim me conheço e contigo pareço: o teu filho de ti.

Secam-me as veias na amarga candeia dentro do peito. Houvesse luz daqui a pouco nos sinais com que me deixaste contigo. Houvesse a oportunidade que desejei e procuro:


Arde-me o que não sei escrever nem dizer, Pai


Sobre a tua face de pequenino e no rodar das minhas mãos, aconchego-me da tua carne no meu pesar. Vou ficar o mais próximo possível, de ti, para que não nos abandonaremos em sentido contrário, para que mantidos em paz ficaremos e – como teu hábito de não me deixares errar,para que eu e tu – sejamos a linha entre a terra e o céu. Inseparáveis.

Acredita-me:
enquanto morreste-me, sofro-te

E com todo o amor, beijo-te suave e eternamente.


Teu.