sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Intervalo [ vermelho ]



Cada vez que falo contigo, ouço a minha voz depois da tua. E fico sempre com a

sensação de que sabes melhor aquilo que eu digo, do que aquilo que me tentas dizer:

há momentos em que me falta o fôlego. O ar e a respiração. E todos os dias eu recordo

aquela canção. Perguntas-me qual, e eu tenho de te responder novamente que é aquela

de que já te falei mas que nunca a ouvimos os dois juntos. Tu respondes-me que não te

lembras disso, enquanto que eu recordo a frase

pertenço-te

cantada no refrão várias vezes repetida. E tu continuas a não distinguir a letra da

música, porque, na verdade não podes, não percebes o que eu canto a seguir. No

entanto, e apesar de tudo, ouves-me com atenção

nessa noite, naquela que foi, nessa noite anterior em que ficámos acordados até tarde,

que te disse para olhares para mim

traz o teu corpo e os teus braços para dentro do meu peito

e tu, nessa noite que sei o quanto foi longa, paraste – suspensa nas palavras e olhaste.

Para lá. Tinhas os olhos cerrados na cor do teu olhar. E sei, porque parece ainda que foi

hoje essa noite, aquela em que te vi e ouvi


sei a visão dos teus olhos negros sobre a ideia de nos podermos tocar. E mais a

imaginação colada a essa ideia duma vontade escondida de nos tocarmos. Divago agora,

e na altura divaguei também, na tua imaginação

queria falar-te desta minha falta de fôlego que tenho com frases suaves numa linha

rápida e precisa

achas possível morrermos hoje aqui, de desejo?

queria falar-te de quando me escasseia o ar e se torna imprecisa a minha respiração. Mas

antes responde-me

achas possível o desejo matar-nos hoje e aqui?

esta noite - sim, claro. Tu sempre tão disponível para me aceitares – para ti tudo é

possível. Mas assim sendo, primeiro teria de recuperar da minha falta de fôlego e voltar

a respirar. Só assim dessa forma eu aceito. E sendo assim

houve um momento em que cheguei a pensar se não estava a ser demasiado directo

contigo. Como se a minha voz acelerada se atingisse os duzentos e dez quilómetros por

palavra. Cheguei a pensar – descontrolei-me. Talvez tivesse que abrandar. Questionei-te

queres?

e tu respondeste-me que

estou bem assim

e eu, perante ti, não pensei mais nem em mais nada. Pé no acelerador, a fundo, e o

tempo a chocar no vidro. Na minha cabeça, ouvir-te dizer que estavas bem, e a ver-te

feliz, e sem mais nenhum pensamento de nada, mas

subitamente

senti uma espiral a rondar a minha cabeça. Não fosse o pensamento, o instinto desse

instante diria que era uma das tuas canções intermináveis ou

tu, que sempre foste muito ligada a essas coisas, das melodias certeiras e repletas de

significado. Não sei. Acho que nunca entendi o que aconteceu – a trezentos e tantos

quilómetros de velocidade na minha voz acelerada

fiquei tonta de repente mas permaneci consciente. Não te disse nada, mas foi porque não

te quis preocupar. Estava a ter outra crise. Faltou-me o fôlego e se bem me conheces

preciso de tempo nessas situações para voltar ao normal. Regressar ao ar e à respiração.

Ouvi-te a falares para mim, para eu ter calma e respirar devagar e pausadamente. E

demorou uns segundos – quase um minuto meu amor – até ter a noção de que todo o teu

rosto estava triste

porquê esse sinal de tristeza?

foi a única coisa que me lembro de te dizer – para além de te ter chamado pela primeira

vez de

meu amor o que aconteceu?

estranhamente impávido e nervoso abracei-me de encontro a ti. Fi-lo discretamente para

que não te desses conta do quanto estava agitado. O meu corpo não se mexeu durante

quase um minuto, meu amor, nem a minha boca foi capaz de dizer que poderíamos ter

abrandado um pouco. Apenas eu e tu num abraço de desassossego e preocupação

misturados com um choro baixinho

e as tuas lágrimas vivas e imprevistas a escorrerem-te pela face. Apenas a minha

imobilidade numa mão sobre o teu peito inútil a não querer respirar enquanto não

recuperavas o teu precioso fôlego. Somente o olhar. Olhei-te

gosto de ver o brilho que há em ti

marcaste o movimento dos meus olhos com os teus. Paraste – suspensa nas palavras.

Olhaste para mim e disseste que gostas de me ouvir quando falo para ti. Quando tudo

isto passar, vamos escutar o silêncio um do outro, juntos. Pode ser?


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3 comentários:

Ruca disse...

Não cheguei a ler, mas decidi ser o primeiro pelo menos no comentário. tenho saudades tuas abraço deste teu amigo k apesar de distante nao se esqueceu de que existes...

Anónimo disse...

Ao contrário do comentário anterior... eu li tudo.... e está simplesmente fantástico... cada palavra, cada pausa... quando consigo imaginar e ver o que se passa , o que sentem.... Parabéns pelo excelente texto!

INDIE disse...

o que escreves faz-me quase ter vergonha daquilo que escrevo... gostei, vou subscrever, e ler mais. parabéns.