quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

tiro ao alvo (ou a velocidade do disparo)



numa noite destas deu por si, às voltas, a remexer em caixinhas e gavetas em busca da sua antiga máquina fotográfica. encontrou papéis amarrotados, postais vincados nos cantos e até cartões das mais variadas formas e feitios com os mais variados nomes dos mais variados assuntos. da máquina, nada. um rolo apenas, por revelar

- encontras com facilidade o que procurares com fervorosa vontade, disseram-lhe à uns anos atrás

quando nesse tempo andava com a máquina sempre pronta a captar todo o tipo de acontecimentos exteriores que lhe apareciam com tal nudez, e que não desperdiçava fosse pelo que fosse ou estivesse como estivesse. tinha essa paixão, que coincidiu com o tempo em que também se apaixonou. era mais jovem e um dia, aconteceu. apaixonou-se e deixou-se apaixonar. recebeu a tal máquina num aniversário ou numa data especial, nesse tempo em que se sentia numa dupla realização – por algo e por alguém. ansiava os telefonemas, hesitava no que a voz imitava de silêncios reprimidos, reagia aos momentos como quem vibra de estímulo e magia, e guardava a vida como quem vive o que só cresce por dentro.

um dia, a lente partiu-se. a máquina deixou de funcionar como dantes, as fotografias saíam desfocadas e a paixão fugiu-lhe algures entre o sorriso de um bebé ao colo da mãe e uma árvore com o tronco rasgado pela madeira fendida. O que se passou a seguir? a idade avançou, o cabelo cresceu novamente com outras raízes, ocupava os dias com rotinas ocasionais e prosseguiu – como as pessoas normais – os estudos, as idas com amigos a festas, os almoços de fim de semana em família e as restantes [mas inerentes] responsabilidades de quem sobreviveu ao que só fica cá dentro.

da máquina, nada. algumas retrospectivas e uns quantos retratos, apenas. na altura não a arranjou, pois que não é possível remediar o que não tem concerto – disseram-lhe, a sabedoria popular, muitos anos antes. mas no futuro

- encontrarás o que aprenderes a procurar devidamente, disse a si uns anos mais tarde

até hoje

quando, sem aviso prévio ou previsão, deu por si às voltas sob qualquer saudade que se fez de Fénix e foi por isso que remexeu em tudo o que era canto em busca da sua antiga máquina fotográfica. mesmo depois de tudo [ou nada]

numa noite destas – em que tornará a acontecer, como se fosse a primeira vez.

1 comentário:

Ana disse...

Li e vou continuar a ler, com vontade de chegar ao primeiro e longínquo texto primário deste espaço.

O comentário fica neste, porque toca em temas das vozes do dia de hoje. Porque sim, porque me apetece. Como os malucos.