quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Regresso


Durante o tempo de recuperação, pensei inúmeras vezes que se a vida fosse um lançamento de moeda ao ar,
eu não saberia de que lado ficaria - ou qual deles melhor me caberia escolher. Ainda que o tempo desse mais de si ao tempo tempo
indemorado e incalculável. Ainda que (...)

Num dos dias durante o forçado repouso, e em que mal via a luz do dia no seu exterior - a passos bastante ligeiros saí, e fui sentar-me, ao ocaso, numa esplanada. Depois de trazido e consumido o café

olhei como se reparasse tudo pela primeira vez e à minha volta

Um final de tarde laranja. A ponte branca com o seu movimento linear de faróis vaivém cá e lá. Pela rua pessoas que chegam a casa e luzes que acendem janelas no alto dos edifícios. O céu
a z u l brilho que se estende no indecifrável conceito de memória das gentes, de mim mesmo, até em relação a tudo quanto se moveria nesse prometido anoitecer.

- Porque lembrar faz parte e cada um recomeça todos os dias à sua maneira -

houve um registo notável entre o passado e o futuro - bem presente diante olhos lívidos

O avô que se senta na mesa amarela com o seu neto. Ele, em curva descendente, brinca com uma bola enquanto ele, pequenino, ri inocente e prolongadamente. O ruído do seu sorriso inocente enquanto a idade for essa própria inocência.

parava e olhava para todos os lugares, para todos os movimentos exteriores e o avô, acompanhava-o também na sua agitação à medida que cada mistério será descoberto e que mais tarde já lhe poderá eleger. Por agora

Havia igualmente um cão às voltas no cio Outonal, circulando preso a uma árvore e ladeando a cauda com a proximidade de quem passava indiferente. Ou de um qualquer som casual que o pequeno fazia na presença do seu protector. Quando a bola cai ao chão

e saltita perante a observação de ambos, o cão atento. O neto sem saber
mais o avô que ligeiramente deixa-se encostar à cadeira onde permanece sentado um pouco mais que a paciência lhe permite. A idade que é esse acto próprio de espera, de paciente abnegação.


C a l c u l o que ainda ouvi o sorriso infantil e gigantesco da criança por mais duas ocasiões. Antes de se terem ido embora, de mão dada, bem devagar. Ainda que a bola tenha ficado esquecida sobre a calçada

- Não tem i m p o r t â n c i a, disse-me o avô.


haverá na minha memória descritiva o som de quem, por agora, sonha na medida de um mundo em forma de bola - sem destino e desconhecendo o sabor agridoce de algumas recordações.

1 comentário:

Luis Martins disse...

Muito bom. Nao so o texto, mas o momento em si. A facilidade com que podemos apreciar o mundo estando apenas a mira-lo e' fascinante. So o ve, sente, percebe, quem para, escuta e olha cada momento.

abraço !