terça-feira, 23 de dezembro de 2008

A breve história que não tinha ponto final


Estamos sentados todos à mesa.
Os quatro que somos. Os nove que seríamos.

Parágrafo - Eu fico numa da pontas a
quarenta e cinco graus em relação ao Carlos.
Do meu lado esquerdo a minha Mãe enquanto que o meu Pai
vejo-o à cabeceira. Tem junto a si a Mariana e a seguir a ela
o David. A minha avó está ao meu lado,
ao oposto da irmã e do António.

Sou o mais novo e o mais pequeno. E projecto nos meus olhos
a terra que tanto nos devolve e nos rouba. O pó que fica da nossa passagem.
Mas hoje estamos todos sentados a esta mesa rectangular,
alinhados nos lugares comuns numa noite igual a esta.

As luzes na sala vão piscando, cíclicas. Há um ritmo silencioso
em cada uma das cores que vão manchando a parede e há, também, um silêncio colorido espalhado no chão. Fico durante uns segundos, a ver os rostos vermelhos e lilás, azul e cor de laranja. Amarelo e verde. E a voltarem ao mesmo, depois repetidamente.

Ouço a voz dos mais velhos e no meu lugar vou amachucando
o guardanapo, branco, à medida que a ceia se arrefece no prato.
O fumo levantando-se no ar como uma névoa lenta a envolver a atmosfera,

"Ainda bem que estamos cá todos este Natal."

Tento perceber a força implícita de tais palavras. O todos que seríamos, todos os dias, se não fôssemos quatro. Os nove que ficaríamos, por agora, a beber um chocolate quente quando a madrugada soasse no canto do cuco.

Mas ainda bem que estamos cá todos, sorrio em afirmação.

Passado, recordo numa vaga de frio

a Mariana que ficou sem o David ainda nova. Ele que é a primeira vez que o vejo sentado à mesa comigo porque nunca antes o conheci. O António que falava sempre brando e convicto sobre o que quer que fosse. E o Carlos que abracei aos seis anos e desde então cresci sem os seus abraços.

A Mariana que à três anos não vinha cá passar a consoada. O David que facilmente o descrevo através de uma fotografia muito antiga.
O Carlos, e o seu cachimbo aceso em aroma suave e que distingo de qualquer outro odor. E o António que em Maio último o visitei.
Até hoje.

(De acrescentar que a Manuela chega da América já para o ano, depois de ter encontrado - suponho, algum conforto próxima do filho e da neta em tão longe viagem)

Presente, no calor das fogueiras
as lembranças embaladas em papel e cartões em que se escreve o que alma condensa para esse instante singular. A árvore com a estrela maior a engrandecer a beleza das gargalhadas e dos risos emotivos. Eu, a única criança, atento a todo este gosto folheado e saboreado por todos, em todos, conjunto do que fomos e seríamos. Uma vez mais.

Futuro, oxalá
no dia seguinte e ainda com as roupas marcadas pelo amor e afectivamente, enchêssemos as ruas vazias com a nossa alegria de termos estado juntos, e ainda bem, como nesta noite

Estamos todos sentado à mesma mesa.
Os quatro que somos e os nove que também fomos

O tempo não pára e eu,
estagno a minha vida por esse retrato
vivido sob o tecto da idade em que
se comiam sonhos e se bebia largamente
a felicidade em copos de cristal


Ponto.
Excuse me while (and when) i dissapear.

2 comentários:

Anónimo disse...

Os pontos... sempre os pontos que teimam em dissipar-se.
Não os quero, por agora, por perto no meu versar, na minha ceia, se é que assim se pode chamar!
Alimento-me das vírgulas temendo a fome do fim, assim

Obrigado por me brindares com tão tão tão... (...) e breve história!

Teetee

iAna disse...

porque nem tudo precisa de um ponto final

feliz natal!

Ana