quarta-feira, 2 de julho de 2008

Amor em dez actos ou em (dez)encontros de Amor


1.Ela não a dizia, não a pronunciava. Ela não gostava do seu significado nem sabia do seu sentido. Ela conheceu-o quando um dia, à beira de Mazurka entrecruzou o seu campo visual com a atenção dele. Trocaram de papéis, enquanto ela observava cada pormenor parecia que ele lhe tocava em uníssono os seus cinco sentidos. À primeira vista, ela pensou que seria um fracasso. “Não me vou apaixonar. Recuso-me a ceder perante o que não acredito”.

2.Ele procurou-a no final. Abriu portas e atravessou corredores. Perguntou a quem passava se a conheciam. Houve quem não respondesse, houve quem sorrisse sem saber. De todas, uma conclusão apenas: desconhecida e invisível. Quem seria? Suspirou.

3.Entretanto, no meio da sala vazia, um ângulo de noventa graus refazia no palco uma imagem, equivalente à área de incisão da própria luz projectada. Como se ao espelho, ela se visse esbatida e desfocada, ligeiramente. Ela queria saber quem era ele ainda que o reprimisse. E o recusasse quase escrupulosamente. “Desaparece daqui” – Pensou. Desceu os degraus apressadamente e encaminhou-se para a saída.

4.À entrada do teatro, ele permanecia de pé. Não se sentia preparado para ir embora. Não sabia que razão o mantinha ali. Calado, seguia a trajectória das luzes móveis que contrapunham o seu pensamento. Algo lhe dizia que a preservação das espécies é que compõe a continuidade das gerações – estranhou tal inesperado conflito interior, um dois minutos. Afastou qualquer hipótese de raciocínio, de seguida. Acalmou a súbita ilusão de a reencontrar e num instinto, virou a rua à direita e começou a andar.

5.O maior mistério é o mistério em si. Ela transpondo o último degrau em terra firme. Dirige-se para o exterior sem que dúvidas houvessem. Nem do que aconteceu nem do poderia ter acontecido. Mas aconteceu alguma coisa? – Recusava-se a acreditar. Retirava dos ombros o peso de uma aproximação que não desejava, de um desejo que a arrasaria outra vez. Não. E no entanto, o verbo querer em que a revelação é a primeira chama. De braço erguido ao céu tenta chamar um táxi. No barulho das cidades o silêncio é a melhor forma de nos fazermos ouvir, mas o homem não repara à medida que ela lhe acompanha o movimento. É neste instante de perda que ela o reconhece, a ele, na roupa que leva vestido. Ao longe. Surpreende-se com a fiabilidade com que o seu corpo se dirige para ele num impulso autónomo e sem esclarecimento. “Espera!”.

É Inverno.

6.Sentados frente a frente olham-se e descobrem-se. A um e outro. Ela vai tentando fugir das perguntas dele. Ele vai tentando dar-lhe todas as respostas que ela nunca ouvira. Ou preferira não saber. «Porque tens tanto medo?» pergunta dele. «O mais importante é cada coisa sem a sua cedência e rendição» responde-lhe ela. E ficam a olhar-se sem que mais nenhuma palavra os destape, ou melhor, aquela palavra que ela não há-de proferir – os encubra dentro de si mesmos.

7.Pela rua, vão remediando o caminho num atraso de frases soltas e flagrante disponibilidade. Ela esforça-se pelo incómodo que o sentimento por ele lhe transmite. Ele, apercebe-se que uma mulher que demonstre sofrer, é mais do que um mundo ao qual ele poderá ou não pertencer. A decisão estava nas mãos dela. Ele tenta abraçá-la. Ineficaz. A noite cai-lhes entre os braços enquanto se afastam e separam. Até quando?

É Inverno. Quando faz frio na velhice dos dias.

8.Encostados a um prédio alto falam sobre os precipícios da vida. Das suas vidas e existências de hoje. Ela «e a coragem que tenho para me negar ao Homem», ele «e a sorte que não tenho com Mulher alguma». Um momento. Param. E observam-se mutuamente como já antes fizeram. Seguram a vertigem partilhada nos olhares que detêm. Ela, mais frágil. Ele, inquietantemente inseguro. O que é o Amor? O que é o Amor? Olhos nos olhos.

9.«Não poderei dizer que te amo» diz-lhe ela. Nunca? «Acaso eu não quisesse que o pudesses dizer, o que dirias?» questiona-lhe ele. Nada.

10.O céu fecha-se sobre o mar. O mar adormece no azul-escuro do céu. A fragrância suburbana é um sopro de gotas fundas que passam de um e de outro como quem viaja na intenção do regresso. Mas, qual deles se abandonará primeiro? A suspeita do coração no lugar da boca, dela. A certeza do vazio a aumentar. Ele. A dúvida. E por ela, o afogamento. Adensa-se a despedida. E não resta nenhuma sensação de alívio. Sem se tocarem, o prelúdio de cada um dos seus fantasmas é uma alucinação pela qual lutariam, houvesse tempo. Ou se o mundo não fosse mudo.

É Inverno.

(Ao fundo, escuta-se Chopin no limite da madrugada. No limiar da Primavera).

5 comentários:

Unknown disse...

como prometido aqui chego, num acto. após um [dez]encontro.

como tantos sao os encontros e desencontros da vida...

:) deixo-te um enorme abraço!

Anónimo disse...

Há algum tempo que por aqui não passava!...
Surpreendo-me sempre com as tuas palavras!

Um abracinho, bem feliz de te ler

Teetee

Anónimo disse...

O verdadeiro fascínio!... abandonado por todos os sentidos, feito do acaso e apenas sentido por palavras que contam um pouco de nós e que nos libertam da noz em que vivemos! É esse o fascínio de ler palavras que soam em uníssono com a voz que vive no nosso dentro!

Sim?

Beijo marroquino

teetee

Anónimo disse...

E afinal o k é o amor?será música?será a partitura k nao vive sem o instrumento e o instrumento k precisa das notas? será a letra em unissono com a melodia?
o amor é o oxigénio da vida...e o Homem é como uma planta...tanto liberta oxigénio, como dióxido de carbono...
O Homem terá de encontrar o ponto de equilibrio, mas a balança parece gostar mais de CO2...
Bjito

Anónimo disse...

O oxigénio é o amor...e o dióxido de carbono é a perda de amor...ou a ausência de amor...ou ainda o não querer amar...a balança parece estar mais pesada do lado de CO2=)
Bjito