[voltei e volvi e
sonhei, achei]
eu já devia ter os olhos fechados quando isto começou
desconheço como ou sob que efeito recordo-me só que
a cabeça desligou-se do mundo, foi nesse instantezinho
do teu eco. enquanto tu me falavas ouvia os sons atentos
do teu eco
que era voz que sobressaía em género de memória acústica
que finalmente regressava mas, extenuada ocasionalmente
ressurgida de um outro tipo de silêncio, diferente, ou
talvez fosse só como calha, se calhar só momentâneo.
isto começou, quando ainda era a noite na tua voz inaudível. a noite no que te queria perguntar e pergunto, mas tu já nocturna não me restituis nenhuma resposta. a noite pareceu-me tão maior de outras que existiram que julgo aguardar sempre pelas manhãs na ânsia de que me digas alguma coisa, somente porque a noite termina sem inversão nem invenção de marcha com o amanhecer seguinte. em diante, havia na minha frente uma sinfonia depois de tanto tempo, a récita que esperou pelo melhor momento e agora, o ideal do binómio lábios e boca, era tudo uma questão da tua voz que falava e fazia eco aproximando-se a passos largos de mim, ágil como
uma língua afiada que é a faca de cortar a respiração:
- não te vejo mas consigo sentir que estás aí. e permaneço imóvel, sem sinais de distracção mas em vez disso, mais disposto e mais exposto. a única luz é a que passa da janela por umas frestas que costumo deixar, respiro à semelhança de um exame médico de auscultação, alivio o aperto da escuridão sobre o domínio da fragilidade e continuo a ouvir-te e tu continuas falar. fazes eco:
conta-me como foi
agora que a noite é imensa e já te tornaste num murmúrio demasiado preciso, agora que me tento mexer na cama devagar encostado às almofadas de costas direitas, agora que quero saber de cor todas as palavras que me diriges, quero decorar cada frase e preencher as superfícies brancas das paredes com relevo e suores frios, com imagens trabalhadas no tempo que existiu e agora, acorda-me desta letargia sem sobressaltos, cativa-me, mantém-me acordado, repete-me:
conta-me como era
posso partir do princípio que isto não é um pesadelo? um delírio da minha mente? respiras para cima de mim, cobres-me de monóxido e de dióxidos, sopras pausadamente ao meu ouvido enquanto te sinto a segredar-me qualquer coisa que nunca antes saberia, se não fosses tu, nunca estaríamos tão perto tão unidos, se não fosses tu [será que algum de nós está igual como antes?]
vou contar como foi
era noite. lá fora uma agitação de árvores e ramos que se partiam na violência dos abanões, era noite e aterrorizou-me. a surpresa apanha-nos quase sempre sem preparação, é inerente ao mistério, aquele barulho separado numa meia distância de vidro e pensamentos isolados, não estava à espera. estás a seguir-me? agarra-me o raciocínio e vem comigo. [não há demora, sigo].
pausa, voltas um pouco atrás para seguir em frente. a noite é para dormir, dizes-me. e os teus olhos dizem, e a tua pulsação diz, e o teu corpo não contradiz. e os teus reflexos dizem, a tua hesitação diz, e o teu pulso latejante torna a dizer que a noite é para dormir, não estava à espera,
porque era noite,
e o imprevisto já lá estava, e mostrou a sua face
caiu a máscara, revelou-se - vês? vê com os teus
próprios olhos, isto nada tem de loucura, vês-me?
eu tento ver-te, mas é no escuro que te sinto aqui
fecho os olhos pestanejantes, sem receio de as imagens me trocarem as voltas ou se são as voltas que me baralham as imagens, daqui não saio enquanto não disseres o que tens a dizer, a tua coragem torna a minha bravura numa personagem secundária de filme assombroso na cidade que tranquilamente repousa fora de nós, o relevo de tudo isto reside nessa voz de ti que possuis:
estás tão calado
não dizes nada?
não te vou dizer nada, por enquanto
é a tua autoridade verbal que conta,
- tu sabes sempre o que esperar de mim, não é assim?
a verdade verdadinha é que têm havido tantas noites
[juro]
crescidas e adultas, lembrando-me o dia em que me deitei no chão enquanto me contavas coisas sobre ti com tanto tempo e com tanto pó em cima. e um sopro tão delicado bastou para te olhar
pequenas e dóceis, como aquela em que desenhei linhas de ar com a caneta que me emprestaste, com tinta que seria permanente. tu: toma atenção, não vale espreitar estás a ir bem, muito bem
noites inacabadas, de páginas de livros que não terminei já sem forças ou unhas que roí com a persistência de um desconforto arrancado com os dentes, embalo habitual num sono flagrante
noites moles e macias, a minha cabeça encostada aos braços do sofá com os teus braços que me abraçam, sobre a tua vigilância e protecção o sentimento de segurança como se fosse uma vertigem mas da qual nunca se cai [e se caí eras tu para me segurar] porque ainda me vais deitar
geométricas e abstractas, que são poucas e evito, tu sabes. aquelas que só têm formas muito estranhas umas das outras, que fazem-me pensar e não quero [quantos lados tenho eu para ti?]
as noites em que pouco descanso ou não descanso mesmo, em que estou presa por linhas perpendiculares e luzes no interior de áreas vazias, e se por acaso há uma interrogação desfaço-a sem mais nem menos: a consciência só é útil se estiver livre de suspeita e num estado de leveza
de repente,
penso que me estou a esquecer de alguma coisa, desculpa
- estou a fazer um esforço para me lembrar, vou ser capaz
[ajuda-me] ainda saberei das noites em que precisei de ti?
...
as paredes estavam cheias de recados, coisas que tinham ficado para trás quando corremos demasiado, um medo qualquer estúpido que não compreendia e uma saliva seca no canto mais seco da tua voz, num tom abaixo, havia a minha necessidade de ir até o mais além possível, de te procurar onde tu me havias encontrado
foi assim? diz-me se foi assim
esse silêncio começa-me a incomodar
não me consigo lembrar de mais nada
agora, claro e escuro misturam-se é de
noite, desculpa.
está muito frio e estou tão cansada
e imprevisível]
sempre que te quiser posso ficar?
nunca tiveste de partir [assim era]
mas assim foi?
- ele acordou a transpirar em bica
acendeu a luz de fogo: o candeeiro
e olhou para onde dormia
- como criança - o coração.
uma língua afiada que é a faca de cortar a respiração:
- não te vejo mas consigo sentir que estás aí. e permaneço imóvel, sem sinais de distracção mas em vez disso, mais disposto e mais exposto. a única luz é a que passa da janela por umas frestas que costumo deixar, respiro à semelhança de um exame médico de auscultação, alivio o aperto da escuridão sobre o domínio da fragilidade e continuo a ouvir-te e tu continuas falar. fazes eco:
conta-me como foi
agora que a noite é imensa e já te tornaste num murmúrio demasiado preciso, agora que me tento mexer na cama devagar encostado às almofadas de costas direitas, agora que quero saber de cor todas as palavras que me diriges, quero decorar cada frase e preencher as superfícies brancas das paredes com relevo e suores frios, com imagens trabalhadas no tempo que existiu e agora, acorda-me desta letargia sem sobressaltos, cativa-me, mantém-me acordado, repete-me:
conta-me como era
posso partir do princípio que isto não é um pesadelo? um delírio da minha mente? respiras para cima de mim, cobres-me de monóxido e de dióxidos, sopras pausadamente ao meu ouvido enquanto te sinto a segredar-me qualquer coisa que nunca antes saberia, se não fosses tu, nunca estaríamos tão perto tão unidos, se não fosses tu [será que algum de nós está igual como antes?]
vou contar como foi
era noite. lá fora uma agitação de árvores e ramos que se partiam na violência dos abanões, era noite e aterrorizou-me. a surpresa apanha-nos quase sempre sem preparação, é inerente ao mistério, aquele barulho separado numa meia distância de vidro e pensamentos isolados, não estava à espera. estás a seguir-me? agarra-me o raciocínio e vem comigo. [não há demora, sigo].
pausa, voltas um pouco atrás para seguir em frente. a noite é para dormir, dizes-me. e os teus olhos dizem, e a tua pulsação diz, e o teu corpo não contradiz. e os teus reflexos dizem, a tua hesitação diz, e o teu pulso latejante torna a dizer que a noite é para dormir, não estava à espera,
porque era noite,
e o imprevisto já lá estava, e mostrou a sua face
caiu a máscara, revelou-se - vês? vê com os teus
próprios olhos, isto nada tem de loucura, vês-me?
eu tento ver-te, mas é no escuro que te sinto aqui
fecho os olhos pestanejantes, sem receio de as imagens me trocarem as voltas ou se são as voltas que me baralham as imagens, daqui não saio enquanto não disseres o que tens a dizer, a tua coragem torna a minha bravura numa personagem secundária de filme assombroso na cidade que tranquilamente repousa fora de nós, o relevo de tudo isto reside nessa voz de ti que possuis:
estás tão calado
não dizes nada?
não te vou dizer nada, por enquanto
é a tua autoridade verbal que conta,
- tu sabes sempre o que esperar de mim, não é assim?
a verdade verdadinha é que têm havido tantas noites
[juro]
crescidas e adultas, lembrando-me o dia em que me deitei no chão enquanto me contavas coisas sobre ti com tanto tempo e com tanto pó em cima. e um sopro tão delicado bastou para te olhar
pequenas e dóceis, como aquela em que desenhei linhas de ar com a caneta que me emprestaste, com tinta que seria permanente. tu: toma atenção, não vale espreitar estás a ir bem, muito bem
noites inacabadas, de páginas de livros que não terminei já sem forças ou unhas que roí com a persistência de um desconforto arrancado com os dentes, embalo habitual num sono flagrante
noites moles e macias, a minha cabeça encostada aos braços do sofá com os teus braços que me abraçam, sobre a tua vigilância e protecção o sentimento de segurança como se fosse uma vertigem mas da qual nunca se cai [e se caí eras tu para me segurar] porque ainda me vais deitar
geométricas e abstractas, que são poucas e evito, tu sabes. aquelas que só têm formas muito estranhas umas das outras, que fazem-me pensar e não quero [quantos lados tenho eu para ti?]
as noites em que pouco descanso ou não descanso mesmo, em que estou presa por linhas perpendiculares e luzes no interior de áreas vazias, e se por acaso há uma interrogação desfaço-a sem mais nem menos: a consciência só é útil se estiver livre de suspeita e num estado de leveza
de repente,
penso que me estou a esquecer de alguma coisa, desculpa
- estou a fazer um esforço para me lembrar, vou ser capaz
[ajuda-me] ainda saberei das noites em que precisei de ti?
...
as paredes estavam cheias de recados, coisas que tinham ficado para trás quando corremos demasiado, um medo qualquer estúpido que não compreendia e uma saliva seca no canto mais seco da tua voz, num tom abaixo, havia a minha necessidade de ir até o mais além possível, de te procurar onde tu me havias encontrado
foi assim? diz-me se foi assim
esse silêncio começa-me a incomodar
não me consigo lembrar de mais nada
agora, claro e escuro misturam-se é de
noite, desculpa.
está muito frio e estou tão cansada
e imprevisível]
sempre que te quiser posso ficar?
nunca tiveste de partir [assim era]
mas assim foi?
- ele acordou a transpirar em bica
acendeu a luz de fogo: o candeeiro
e olhou para onde dormia
- como criança - o coração.
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