(ou curiosamente, que de estranho nada tem)
como poderiam saber se não tivessem existido? houve um lugar, um acaso nas horas ocasionais de um dia [in]finito, em que se cruzaram. por linhas rectas e convergentes, note-se, num ponto comum: conduziram a fala para os antípodas da surdez generalizada, as palavras até aos confins do ouvido que escuta e segrega os ecos e as vozes numa inata correspondência, os poucos gestos em olhares de delicadeza como quem se descobre deixando-se descobrir; dificilmente um só ponto comum chegaria para quem conhece de que matéria é feita o firmamento em noites estelares. como poderiam eles saber se não existissem? a exemplo, numa varanda velha, há um vaso com flores murchas, um animal doente, roupas esquecidas num estendal gasto – e imagine-se, que triste, um vazio acomodado que nem o vidro baço deixa ver. por outro lado, não muito distante, há uma janela de se observar por dentro e por fora. não tem varanda, mas compensa-se por ser maior que algumas irrelevantes fachadas de microscópio. tem cortinas de ar e de vento, abre-se à primavera quando o sol a invade, e mesmo quando cai a chuva pede um pouco mais, que entre e se banhe. que feliz, imagino. que felizes, quero crer, eles que sabendo da fragilidade do mundo que gira e gira, reforçaram o elo em doar-se, de maneira original e de forma incontida. [algures, a lenda enlaça o mito e o mito desata a semear frutos na árvore da plenitude]. e como posso eu saber? porque eles sabem. e não me estranha, não estranho sequer que existam. sempre que os vejo e revejo, a ele Eros, o ímpeto e os impulsos, a ela Psique, serenidade e ambígua, lembro-me [em transparente reflexo] que ser-se dois não é ser-se mais que a fronte e o reverso da mesma coisa. é ser-se o rosto por inteiro, da nuca até às pálpebras, o corpo por inteiro, da espinha à carne, da cabeça aos pés e dos pés à cabeça. é não ser-se outro, de outrem para ninguém. porque a esperança está em não ser-se menos sem tentar-se a ser mais do que isso. porque sim. e em dose redobrada. porque sentir não é apenas necessário, é vital. porque foi o sentido de sentir que o tornou Homem, que a fez Mulher. e porque a crú, esta história sabe melhor. porque é bela a cumplicidade que fica, da beleza em falar a verdade. Assim é. Assim seja.
Sem comentários:
Enviar um comentário