quando nasci deram-me um nome. iria usá-lo para a eternidade tal qual o sangue que se me principiava nas veias. optei por gastá-lo ainda muito novo, como um romântico incurável que acede aos encantos que Platão ensina no seu banquete. algures numa página, bastou-me uma palavra. porque o amor morde. o coração, a omoplata ou a curva descendente que acaba numa contorção muscular. num gemido - grito. porque o amor dá ao gosto o que a infelicidade tira do paladar. rumina as dores amargas e vomita as palavras doces. porque é sempre preciso ser-se feliz. eu era pequeno depois de ser crescido e foi quando escrevi esse nome lapidar que me apercebi que não havia outra saída: sei que houve um tempo em que tropecei em braços amorfos, em que escorreguei por ilusões de pouco ou nenhum sentido, em que caí arranhando a pele, sei que houve um tempo em que me levantei emaranhando pelas paredes todas as vezes em que cair é um ensaio para consequentes quedas, em que elevar-se é somente aguentar de pé o que o mar tem por correntes, o que as ondas traduzem por marés. a minha saída sempre foi ficar. nuns braços de estar, num chão firme de ser e pisar, num encaixe de lugar e de espaço. foi assim que me fiz e desfiz-me, foi assim que lavei talheres de simpatia e colheres de gratidão, foi assim que moer foi impreciso, e desnecessário. porque o amor serve-se a quente e a frio consoante os apetites. porque se degusta sem desgostos para a sobremesa. porque na hora de pagar, as contas fazem-se não só pelos dedos mas também pela supressão dos medos. noves fora nada, a regra é simples: nada tem de ser normal. nem esquisito. nem repetido. noves fora, tudo. regra de três simples: promessa de não prometer, a verdade em não mentir. e nunca dizer adeus. ainda que o tempo seja apanhado desprevenido com o estômago embrulhado em mil novelos por desatar – a única saída é ficar. é isso que faz quem escolhe não fugir. para não remoer. eu tive um nome desde criança, foi-me dado no corredor das urgências, tratado e cuidado na sala de espera e levado à boca na ala dos que têm alta depois dos primeiros cuidados. de intensivo, escrever hoje para o futuro - ipsis verbis – a epifania a digerir barreiras e outros muros com sopros e silêncios meigos. reconheço o que já sei: nem todas as razões têm sempre razão. porque só o amor tem dentes vorazes de trincar e engolir. de não mastigar. e contudo, faça-se jus ao nome na cedência em si mesma. pronto: ninguém morre de amor. ou de amores. porque só o amor mata a fome. porque só nós assassinamos o amor. enquanto ganhar é um vício e perder é a negação adiada. mas quando morrer é uma coincidência de morder, algures noutra página basta uma palavra para se pensar a salvo. e assim, dignos de entrar pela casa ainda fumegante, ingerirmos aquilo que o jejum faz, que é aquilo que tem a fazer. o nome que recebi - foi só e para mais tarde, enfastiado e de barriga vazia, desenjoar.
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