quinta-feira, 29 de julho de 2010

outra vez (ou uma vez mais)



as mãos dele. muito limpas. com que prepara a tinta. respira fundo. e olha para o mundo. ela tem cabelos escuros. fios soltos nas pontas. e um gancho que lhe prende a franja. as pálpebras tremem. as pestanas ficam imóveis. um segundo primeiro. um minuto depois. a atenção dele vai para a atenção que ela merece. por detrás dos óculos ele não lhe revela o seu próprio retrato. ela pergunta-lhe se falta muito. ele deixa cair uma mancha de óleo. e diz-lhe que é só o tempo de secar. ela recorda-se. ele relembra. aquele primeiro beijo. com os lábios a secarem também na face. desse beijo líquido e inteiro. o sal lívido no rosto. e agora pergunta-lhe ela. quase. ele levanta-se. entorna água nas suas mãos. muito limpas. tira os óculos. e pergunta-lhe se está pronta. ela responde que sim. um segundo. sim. um minuto depois. estão os dois no sítio exacto. mas surpreendentemente na tela não se vê nada. porquê. não importa. não se vê nada. mas está tudo bem. porque ambos sabem que está lá tudo. dele e dela também.

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