esta história começa, longínqua e
distante, num país chuvoso. numa geografia latente em cristalino e largos lagos
de um azul a pender para noites de blues e dias mornos. quando ela aprendia,
ainda, por linhas tortas a escrever a direito, legítima e esforçada no seu dever
de missão perante um mundo de mulheres e de homens. haviam rodopios e avanços,
recuos e territórios movediços. havia a visita do espelho e o espelho em vista.
chegava a olhar-se exterior a si, como quem entra num espaço onde já esteve mas
que por circunstância ou inclinação para o abismo entre si e a sua outra, era
apenas o método de chegar mais dentro, beiral onde desmascarada e autêntica se
(re)conhecia. e o tempo há muito que era uma partida desigual com relógios a
fazer de tiquetaque. desde pequena que gostava de brincar à apanhada e às
escondidas, e cedo soube jogar ambos com o conhecimento das regras, ao ataque e
à defesa consoante a oposição. chegada a si, olhando-se e escavando até ao
olhar mais fundo, aprendendo igualmente que num primeiro passo poderia estar o
passo seguinte. fora sempre assim, sob o território seu que dominava e a zona
de conforto que não partilhava com ninguém. mas um dia, o jogo da apanhada
originou uma outra correria, um valsa mais lenta. e a brincadeira das
escondidas surgiu-lhe seriamente com contornos de pele tocada e a exposição dum
coração com sons de dança como parceiro ideal. muito antes disso acontecer, a
rotina era o prelúdio de um soneto cantado a solo. e só depois disso acontecer
é que se lhe afigurou a possibilidade remota de duas vozes num coro em voz de
igualdade. foi num dia, em que bela e inteligente, se deixou recordar que
também existia. e que as velhas cantilenas cor de rosa regressavam de tão longo
período de alienação. esta história recomeça aqui, vestida de um casaco negro e
calças compridas e azuis a pender para uma noite de tango e dias inflamáveis. quando
reaprendeu, nesse dia, a ser mais próxima de si e ao invés de fazer e dar por
tudo e por todos, retomar a dádiva para consigo. nem sempre é fácil. mas nada
se resume só a difíceis dissoluções. tem momentos de uma sonolência abrupta e
outros de uma frieza tonta. instantes de instintos rápidos e outros de uma
brancura imaculada. em que por todos os melhores panos com a pior nódoa é capaz
de segurar na concha genuína de se abrir e de guardar, a pedra preciosa que
tanto lhe forjaram, muito antes disso acontecer, a encontrar. veja-se: agachada
com as pernas cruzadas numa postura de atenção incondicional, escuta e ouve,
questiona e argumenta, protege-se na vontade do sim ao desafiar o não em lutas
constantes e imprevisíveis. que nada têm que ver com o feitio, que pouco a ver
têm com defeito. Ela, já depois desse dia, aproximou-se dele. e quieta
disse-lhe caramba, tu sabes realmente o que quero e ele, como que os envolvendo num lençol macio
de um arquétipo primaveril e dilatando os lábios em curva ascendente respondeu:
sim. sem sair, nunca, de ti. esta história continua aqui. quando o certeiro é o
correcto, quando o certo é não ter absolutamente nada de errado. felizes, sabem-se. nesta história que começa...
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