domingo, 21 de fevereiro de 2010

sons e ruídos (ou um segredar ao ouvido)



"Escrever é também não falar. É calar-se. É gritar sem ruído."
( Marguerite Duras )




(quando) não vens e não questiono porquê
deixo o motivo para as distracção fortuitas
do tapete súbito a fugir-me sob os pés

e perder a bússola indicando
os passos para além de multidões que calo
e vozes afligidas assombrosas que teimam

rasgas sem saberes os cantos
às páginas que escrevo e reescrevo do princípio

atiras pelo ar a tua persuasão com uma letra muito
severa mas pequenina não tremo nem hei-de ceder

se penso na insanidade da obra


na loucura que vagueia pelos corredores da madrugada
tudo é um precipício vastíssimo
mas nenhuma pedra consegue violar a gravidade

com o dedo na ferida
de que lado estás tu de longe
fazendo pontaria para o mais certeiro

dos golpes entre a sedução de cair
ao contrário do que o corpo pretende

não vens acusando de temor
breve alegria e miséria todos os lugares
desse mundo ávido às mãos
do tempo pingando na ponta do gelo

são finas as tiras de papel
que amordaçam a água e a saliva
das coisas com nome
destes poemas das horas preciosas

como um brilho levita ao redor do
horizonte imagens que posso imaginar
matando de vez a expectativa
ou o desejo mais devastador por que

é esta a crueldade maior e mais feroz

dos adjectivos que iniciam o verbo

e que afinal destapam as frases frias

e o rigor dos substantivos pelas cortinas do vento


há um quadro que cresce das ervas daninhas

tu não vens – musgo que se abre fechando as pálpebras
e faz-se ferrugem prometendo mercúrio.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

A preto e branco (ou a contra capa da fragilidade)



"What do i know what i think
until i see what i say?"


E.M. Foster




hoje estás tão quieta
sobrando de ordem e de mansidão
todas as páginas a que te condeno
todas as marcas a que o teu
desaparecimento incita um ditado

muito denso falando baixinho
confiante porém às mãos
do escravo suando esforço e melancolia
ensejos de ninguém hajas tu
e aquele que te reduz à memória

exausto sobre pensamento meditado

tantos e tantos dias

és tu a membrana da poesia
e o tecido finíssimo e frágil que
te veste e te dispo
de todas as ideias de utopia
que possas ter da vida ou
do que a vida é na sua finitude

sou quem desce até ao lugar
mais fundo e distante
onde tu crês que sempre
acabarei os dias do mundo deitado

num profano descanso e profunda solidão
negando e recuando da morte
com o teu coração vivo em cada
página a preto e branco

pulsando com tudo o que
deixo ao teu cuidado
assim como que confiando
e por força de um amor e saudade

não manifestas nem mais partida
nem a chegada e eu
não consigo jamais sentir a tua falta
sem nenhuma queixa nem amargura

por que acompanhar-me-ás segura
mente ao abrigo do meu desejo final

de paz e a paz de te ter comigo.