"Escrever é também não falar. É calar-se. É gritar sem ruído."
( Marguerite Duras )
(quando) não vens e não questiono porquê
deixo o motivo para as distracção fortuitas
do tapete súbito a fugir-me sob os pés
e perder a bússola indicando
os passos para além de multidões que calo
e vozes afligidas assombrosas que teimam
rasgas sem saberes os cantos
às páginas que escrevo e reescrevo do princípio
atiras pelo ar a tua persuasão com uma letra muito
severa mas pequenina não tremo nem hei-de ceder
se penso na insanidade da obra
na loucura que vagueia pelos corredores da madrugada
tudo é um precipício vastíssimo
mas nenhuma pedra consegue violar a gravidade
com o dedo na ferida
de que lado estás tu de longe
fazendo pontaria para o mais certeiro
dos golpes entre a sedução de cair
ao contrário do que o corpo pretende
não vens acusando de temor
breve alegria e miséria todos os lugares
desse mundo ávido às mãos
do tempo pingando na ponta do gelo
são finas as tiras de papel
que amordaçam a água e a saliva
das coisas com nome
destes poemas das horas preciosas
como um brilho levita ao redor do
horizonte imagens que posso imaginar
matando de vez a expectativa
ou o desejo mais devastador por que
é esta a crueldade maior e mais feroz
dos adjectivos que iniciam o verbo
e que afinal destapam as frases frias
e o rigor dos substantivos pelas cortinas do vento
há um quadro que cresce das ervas daninhas
tu não vens – musgo que se abre fechando as pálpebras
e faz-se ferrugem prometendo mercúrio.