sexta-feira, 15 de maio de 2009

Difícil, ad aeternum




«Queria morder-te as mãos até ao riso»



Cada uma delas, vermelhas e verdes
em postura estática sem anoitecido
movimento. Estática,
ele viu-a de longe. Ele pressentiu-a
de mais longe ainda.

Uma distância de ramo até ao chão.
Do cimo da árvore,
amadurecendo os sentidos
e fazendo contas à queda,
amparo que ele seria no momento de ela cair

na visão interdita da madrugada,
no sabor de amoras na ponta da língua e,
no fundo uma linguagem
em tom de improvisado regresso.

«Retorno à mesma casa e revejo agora
a mesma dor com que a deixámos»

E ela, deitada sobre o mármore
friamente branco, o mármore, e ela
agarrada ao seu corpo – não dizia nada.
Não se comovia nem se detinha num gesto qualquer.

Sofria, por dentro. Apenas, chorava baixo
e não dizia nada. Fingia a bucólica morte
na vida melancólica que perdera.
Calara-se ante uma quimera de perpétua ficção.

«Como as maçãs também se apodrecem
debaixo da aragem que nos engole, estreita. E difícil»

E ele pensando que era tarde
que a hora já gasta anunciava o seu desfecho.
Mas não era esse o poente de todas
as histórias, de amor. Duvidava-se.

«Nascemos de uma folha em branco»

Ela dizendo-lhe que antes deles não
havia senão um espaço escondido
entre dois campos ao entardecer.

E se um amanhecer prometia reluzir
a forma de encontro e descoberta,
o fio-de-prumo que adiavam
coincidia com o pensar léguas de utopia
à margem de sensações encobertas.

«Escrevemos essa folha em branco a partir de um recital»

Seria o que ela quereria ter dito
anos antes?
Ou o que ele não era capaz de ouvir
anos depois?

«Como as maças também apodrecem no éden,
perdidamente»


Nesses campos outrora longos e vagarosos
não morava já nenhum deles.
Deixara de haver alvorada e ventos nórdicos.
Porque da última luz, somente
o sinal dum ponteiro parado ao meio-dia.


Porque a derradeira memória
da planície rasa e concreta,
foi que nunca mais se ouvira uma badalada
ou qualquer outra réplica de vozes

«Queria morder-te o coração até que me devolvas o meu»


na eventualidade
na ausência do medo, deles.

Assim.