sábado, 21 de junho de 2008
Requiem
Os passos marcham descalços à mesma distância entre luz e treva, enquanto isso só o canto triste da terra se inunda e ecoa. Lá fora há um ar quente que ateia a copa das árvores, no cimo da queda em que tombam desfeitas sobre os olhares insónia. A cabeça arde, parece febril. Doente, a doença passeia-se na pele pela noite como uma sombra vulgar. Ninguém
a sente mas tudo sabe da sua presença. Os corpos, as cinzas. E há quem cheire o aroma que seduz os deprimidos e enfraquece os solitários. Ela que continuamente prossegue a contaminação iminente das vozes. São palavras em volta de saliva e bocas que se esquecem do que dizer a seguir. São murmúrios que não percebem a constelação lunar. Numa imagem, a lua está alta
os lobos uivam de raiva e desgosto nos becos e esquinas da vida. Aguardam. Escondidos detrás dos vidros suspendem-se até à passagem da próxima vítima, à chegada. Por vezes, ainda no limbo dessa linha estreita que mede o limite, a sanidade e o delírio. São animais ferozes e esfomeados. Que desesperam. A noite é um lugar inexplorado, enquanto a lua brilhar no alto, em toda e qualquer despedida
por ruas que se alongam umas às outras. Vai ficando maior a ausência, apenas ermos escuros de sons mudos e vértebras de fogo, a solidão a combustão do esplendor e o seu arrastamento em forma de brisa. Morna. Quase que alguém se sufoca de memórias, de golpes findos e feridas essenciais. E quem, de que corpo de cinzas, se poderá sequer lembrar que a memória morre sempre que a nostalgia desaparece
em pó. Embora sobeje a navalha e o corte, a lâmina e o sangue. Embora a vida. São gotas de uma dor oculta que durante o exercício do tempo se mantém à margem. Encoberta que foi, por nuvens de um tom cinzento e sombrio. Embora a vida seja uma mágoa em formas de contorno incolor, finalmente caída sobre o chão. Embora a vida resvale no abismo de segundos entre um suspiro amordaçado
o escutar de um forte gemido, largo e constante em que gradualmente a vida se desgasta e descendente, em sopro invariável se torna. Em vão. As pálpebras que se abrem lentamente nos imensos olhares submersos e enevoados da madrugada. Um corpo inerte, nesse corpo de cinzas sem passado e o desfecho de uma alma como tantas outras, entretanto que decide fugir
já sem movimentos, sem oxigénio sem que seja elevado o grau de pureza do gesto e da reacção. A atmosfera adensa-se de sinais de emergência, de uma clara cegueira em que é urgente recuar cada instante para aproximar cada hora, não fosse tarde demais na noite que dorme profunda e na cicatriz da lua no azul há um coração
que já não bate nervoso nem veias que incham de inquietação. Assim, a secura das coisas perece com a mesma facilidade com que as lágrimas abandonam as expressões. O sorrir é de mármore e encerra todos os futuros impossíveis. Sem amor, ela fecha-se no interior da aurora distante sem sobra de luz, e finge semelhanças para amortecer a saudade e vencer a verdade
seja qual for.
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